Leão e
Andaluz
Cluniacenses e almorávidas
«(…) Com estes dirigentes estrangeiros vêm francos,
alemães, flamengos, ingleses, borguinhões, toda uma cruzada europeia que guinda
aos mais altos postos elementos do partido franco-cluniacense-romano. O Andaluz
responde com a guerra santa ou cruzada almorávida. Os tambores sarianos de
couro de hipopótamo ressoam por toda a Península, extremando com violência os
campos ideológicos. O almorávida Ali deporta milhares de moçárabes para Marrocos;
Bernando de Cluny, ex-abade de Sahagun e arcebispo de Toledo, sagra catedral a
mesquita-aljama da cidade mourisca. Entretanto Raimundo e Henrique de Borgonha,
em íntima ligação com o papado e o abade Hugo de Cluny, parente de ambos, tornam-se
os chefes militares incontestados do poderoso partido franco-cluniacense-romano
que englobava nas suas hostes cruzados ou aventureiros de toda a Europa.
O movimento concelhio
Ora, é na segunda metade do século XI e primeiros
anos do seguinte que o movimento concelhio arranca decisivamente na Península
Cristã, agregando grandes centros Urbanos do Islão como Coimbra, Toledo,
Santarém, Jaca, Huesca, Saragoça, Valência e tornando-se uma realidade
irreversível. Apesar da insurreição que lavra em Sahagun, Compostela e Leão, o
movimento não alcança aí as vitórias já consumadas no Sul. Aqui os novos
senhores não têm dentes para mastigar convenientemente o bocado; e os vizinhos,
abraçando às claras a nova religião ou a ela aderindo, não largam as armas, as
muralhas e a organização colectiva em que reside a sua força. Só assim se
explica que Afonso VI absolva os toledanos
do seu pecado original de moçarabismo, mais grave por vezes do que o pecado de
islamismo.
No condado portucalense-Garbe do Andaluz o
movimento concelhio exerce um peso político e militar, não já irreversível mas decisivo,
quando, depois do foral de Évora de 1166
e da rebelião dos moçárabes de Giraldo, o
Sem Pavor, Afonso Henriques reconhece e patrocina a federação dos grandes municípios do Ocidente de então: Coimbra, Lisboa, Santarém e Abrantes.
As oscilações no quadrante político
Em boa parte a facilidade com que vira a sorte das
armas, apesar da imigração franca ou almorávida, pode explicar-se pela política
dos Estados cristãos ou dos Estados islamitas relativamente às conquistas
sociais dos centros urbanos e fortificados. Já Herculano negou a visão superficial
e esquemática de duas comunidades religiosas, internamente unidas como um só homem
e cujo ideal seria enterrar o alfange ou a espada no colo do inimigo para
glória da fé ou gozo do paraíso. Que mais não fosse, a união de Almançor com a
filha de Bermudo II, a aliança selada pela morte entre o amirida Sanchuelo e o conde
cristão Ben Gomes, o enlace de Afonso VI e da moura Zaida aí estariam para
a recusar.
Nos últimos anos do século X as tropas mouras e
cristãs de Almançor reduzem a independência cristã a sul do Douro e do Ebro
submetem Coimbra, Porto, Barcelona, levam as armas e a colonização mourisca
acima dessa linha, ao menos do Douro; destroem Leão, Braga, Santiago de
Compostela; colonizam as duas margens do Douro transmontano. O rei de Leão e os
nobres neogodos tornam-se vassalos do
primeiro ministro cordovês. Não é em Córdova que se escolhe após a morte de
Bermudo, o tutor de Afonso V no caso o
conde portucalense Mendo Gonçalves?
Mas no terceiro quartel do século XI vira a sorte
das armas. Submetida a passagem do Douro por Ansiães e Lamego a Reconquista
atinge o curso do Mondego no governo de Fernando Magno. Seu filho Afonso VI
alcança seguidamente a linha do Tejo a ocidente e submete a tributo todos os
reinos islâmicos peninsulares: Saragoça, Badajoz, Sevilha e Granada,
enquanto os cavaleiros de Cid abrem caminho até ao Mediterrâneo por Valência
deixando isolada a leste a forte Saragoça. No último quartel do século XI e
primeiros anos do seguinte é o Andaluz almorávida que irrompe de novo até ao
Mondego, que submete Valência e o seu enclave, que acomete Toledo, que leva a
depredação e a razia até ao Porto. Menos acentuadas, as oscilações territoriais
manter-se-ão ao longo do século XII: avanços henriquinos no Ocidente, maré almóada,
até que, com o avanço cristão do século XIII e a batalha das Navas, os muçulmanos,
apoiados pelo Magrebe se organizarão no último quadrado de Granada». In
António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho, colecção
Universitária, Lisboa, 1986.
Cortesia de Caminho/JDACT