quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Poesia. Máscaras. Orlando Neves. «O poeta, à medida que avança, apaga os rastos que foi deixando entre os dois horizontes. Um deserto que traçou e depois abriu num terreno alisado, uma rota que já foi sua, pessoal, a fim de desvendar os seus propósitos…»

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Hamlet Sopesa a Caveira. No oco das Mãos
O tempo é um vaso vazio,
um caracol marinho de gestos ambíguos.
Falemos do que foi o banquete final.
Que pássaro comeu a tua boca?
Quantos golpes te transformaram em osso de peixe?
Ao toque dos meus dedos,
perdes o poder,
vela-te o vento de verão
dentro e fora
do côncavo do tempo.
Em todas as direcções
Para cima e para o lado
és pó em Saturno.
A luz que atravessou os teus olhos
sangra salobras purificações.
Chamo-me ninguém.

As mãos vazias estão repletas
de consequências e palavras frouxas.
Posso imaginar-te um triângulo
um passado
um estado natural,
uma força da água,
uma relação de vidências e formas
que jamais resolverá os dilemas.
Ponto final.
Não és terra.
Não és não-terra.

As nossas bodas estão findas.
Sigo os cães roubando fruta.


Ovídio
Dizem-no Tito Lívio e Cícero e Valério e Frontino:
Lúcio Márcio peleja na llíria
quando de súbito sai da sua cabeça
uma enorme chama de fogo.
Em poucos minutos queima
trinta e sete mil inimigos.
Só então se extingue a labareda
que rompera do interior da cabeça
de Lúcio Márcio,
centurião do exército romano.
Uma ligeira brisa desperta a chuva.
Vagueiam no campo os comedores de ervas e cinzas.
Cães e estrelas caminham.
Lunaque nocturnos alta regebat equos.

Poema de Orlando Neves, in ‘Máscaras

In Orlando Neves, Máscaras, edições Sol XXI, Tipografia Voz de Lamego, 1997, ISBN 972-8183-52-6.

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