O Guardador de Rebanhos
[…]
Ah! é que rezando a Santa Bárbara
eu sentia-me ainda mais simples
do que julgo que sou…
Sentia-me familiar e caseiro
e tendo passado a vida
tranquilamente, como o muro do quintal;
tendo ideias e sentimentos por os ter
como uma flor tem perfume e cor...
Sentia-me alguém que possa acreditar em Santa Bárbara…
Ah, poder crer em Santa Bárbara!
(Quem crê que há Santa Bárbara,
julgará que ela é gente visível
ou que julgará dela?)
(Que artifício! Que sabem
as flores, as árvores, os rebanhos,
de Santa Bárbara?... Um ramo de árvore,
se pensasse, nunca podia
construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o Sol
é Deus, e que a trovoada
é uma quantidade de gente
tangada por cima de nós...
Ah, como os mais simples dos homens
são doentes e confusos e estúpidos
ao pé da clara simplicidade
e saúde em existir
das árvores e das plantas!)
E eu, pensando em tudo isto,
fiquei outra vez menos feliz…
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
e nem sequer de noite chega…
V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
e sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
e não pensar. É correr as cortinas
da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
começa a não saber o que é o Sol
e a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
e já não pode pensar em nada,
porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
de todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
e por isso não erra e é comum e boa.
[…]
Parte do Poema de Alberto Caeiro
(Fernando
Pessoa), in ‘Poesias’
ISBN 978-972-617-195-9
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