Um minarete como campanário
«(…) Observemos em primeiro lugar que a sua população é muito heterogénea.
Após a tomada da cidade, podem distinguir-se múltiplos grupos
étnico-religiosos, em especial duas minorias religiosas protegidas, os
muçulmanos e os judeus, e vários grupos cristãos, os moçárabes, os castelhanos,
os francos e os novos convertidos. É claro que as relações entre os grupos não
são sempre serenas, e os problemas surgem pouco tempo depois. Todavia,
instaura-se um modus vivendi a que se
chama tolerância. O conceito
merece toda a nossa atenção. Alguns historiadores, como Sánchez Albornoz,
apresentam-na como uma originalidade da Espanha medieval, ligada ao duplo fenómeno
da reconquista e do repovoamento. Para se poder ocupar o solo e torná-lo
produtivo, pedia-se aos mouros que nele se mantivessem após a Reconquista e
acolhiam-se comunidades judias. A uns e às outras não era exigida a conversão,
mas em contrapartida pedia-se a essas pessoas que fossem súbditos leais da
Coroa.
A tolerância aparece,
portanto, sob a forma de um estatuto outorgado pelos governantes que pretendem,
desse modo, facilitar a coexistência dos membros das diferentes religiões. Cada
um dos soberanos multiplica os sinais dessa vontade: Afonso VI adopta o título
de imbiratur
dhu-millatayb, isto é, imperador das duas religiões. Ao fazê-lo,
copia um título que era dado aos grandes chefes do oriente abássida, chefe das duas espadas. Afonso VII,
segundo um dos seus cronistas, exige quando da sua entrada solene em Toledo, em
1139, ser acompanhado por um cortejo
de jograis e de músicos cristãos, sarracenos e judeus: cada um deve cantar na
sua língua os louvores do seu soberano. Exige ser chamado imperador das três religiões. Fernando III, por seu lado, manda
gravar na sua sepultura sevilhana, uma inscrição nas três línguas: árabe,
hebreu e castelhano.
Assim, a Espanha pôde ser considerada o único país da Europa medieval
onde minorias consideráveis viveram juntas sem serem incomodadas. É verdade que
aí a intolerância se manifestou mais tardiamente do que noutros lugares.
Notemos que, noutros países da Europa, os judeus foram expulsos mais cedo do
que em Castela. E no entanto, apesar desta vontade política afirmada durante
tanto tempo, a história social e cultural da Toledo medieval será, a da
assimilação progressiva, lenta de início e depois precipitada, dos grupos
minoritários. A historiografia moderna pôde provar que o grupo muçulmano foi
nitidamente menos importante do que aquilo que se afirmou durante muito tempo.
O caso da transformação da mesquita em catedral levava as relações dos dois
grupos por mau caminho.
Apesar disso, a convivialidade de facto, mesmo relativa, dos diferentes
grupos étnicos e religiosos facilita o contacto entre as civilizações.
Encontramo-nos numa época em que toda a franja meridional da Europa, a Sicília,
o Sul de Itália, a Espanha reconquistada, se banha na civilização árabo-muçulmana.
Na mesma época, o rei da Sicília e imperador do Sacro-Império, Frederico II de
Hohenstaufen (1194-1250), está impregnado de cultura árabe.
Toledo faz a ligação entre o Oriente e o Ocidente. Os tradutores toledanos
vão permitir a divulgação das obras de Euclides, Ptolomeu, Hipócrates, Galeno,
Aristóteles, as obras clássicas gregas e latinas. Assim se facilita o
desenvolvimento das jovens universidades de Salerno, Pádua, Bolonha,
Montpellier... Hoje em dia, Toledo continua a ser um tema de reflexão e de meditação.
Sem dúvida que após essa época brilhante, aprofundámos a noção de tolerância
que, aprendemo-lo por vezes à nossa custa, apenas pode basear-se num respeito
recíproco das comunidades entre si e no reconhecimento das sua identidade.
Mesmo assim, a história de Toledo mostra-nos que do convívio das civilizações e
do seu diálogo pode surgir o enriquecimento recíproco. E, mais humildemente,
ensina-nos também que essa coexistência pode originar muitos problemas. Toledo
continua a ser uma cidade-farol. Mesmo se o mito que suscita transcende as
realizações, mesmo se a lenda distorce por vezes a história, ela é, não o
duvidemos, uma dessas cidades donde emana o espírito.
Um toledano diferente dos outros
No limiar das grandes descobertas, a cidade ficou toda ela impregnada
de cultura muçulmana; uma testemunha anónima imortal, recorda, no século XV, o passado desta cidade mitificada
nos séculos XII e XIII, marcada pelo fim do califado e o recuo do Islão. Nesse
3 de Agosto de 1492, a costa
atlântica da Andaluzia conhece uma efervescência desusada. No porto de Palos,
próximo do reino português, neste fim de tarde tórrido, noventa homens embarcaram
em três caravelas que acabam de levantar âncora; partem para Oeste, em busca de
um novo caminho para as Índias. O seu almirante, Colombo, goza de toda a estima
de Isabel, rainha de Castela». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos.
Cristãos, Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN
972-710-144-5.
Cortesia de Terramar/JDACT