terça-feira, 6 de agosto de 2013

Muçulmanos. Cristãos. Judeus. Toledo. Séculos XII-XIII. «Toledo continua a ser uma cidade-farol. Mesmo se o mito que suscita transcende as realizações, mesmo se a lenda distorce por vezes a história, ela é, não o duvidemos, uma dessas cidades donde emana o espírito»

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Um minarete como campanário
«(…) Observemos em primeiro lugar que a sua população é muito heterogénea. Após a tomada da cidade, podem distinguir-se múltiplos grupos étnico-religiosos, em especial duas minorias religiosas protegidas, os muçulmanos e os judeus, e vários grupos cristãos, os moçárabes, os castelhanos, os francos e os novos convertidos. É claro que as relações entre os grupos não são sempre serenas, e os problemas surgem pouco tempo depois. Todavia, instaura-se um modus vivendi a que se chama tolerância. O conceito merece toda a nossa atenção. Alguns historiadores, como Sánchez Albornoz, apresentam-na como uma originalidade da Espanha medieval, ligada ao duplo fenómeno da reconquista e do repovoamento. Para se poder ocupar o solo e torná-lo produtivo, pedia-se aos mouros que nele se mantivessem após a Reconquista e acolhiam-se comunidades judias. A uns e às outras não era exigida a conversão, mas em contrapartida pedia-se a essas pessoas que fossem súbditos leais da Coroa.
A tolerância aparece, portanto, sob a forma de um estatuto outorgado pelos governantes que pretendem, desse modo, facilitar a coexistência dos membros das diferentes religiões. Cada um dos soberanos multiplica os sinais dessa vontade: Afonso VI adopta o título de imbiratur dhu-millatayb, isto é, imperador das duas religiões. Ao fazê-lo, copia um título que era dado aos grandes chefes do oriente abássida, chefe das duas espadas. Afonso VII, segundo um dos seus cronistas, exige quando da sua entrada solene em Toledo, em 1139, ser acompanhado por um cortejo de jograis e de músicos cristãos, sarracenos e judeus: cada um deve cantar na sua língua os louvores do seu soberano. Exige ser chamado imperador das três religiões. Fernando III, por seu lado, manda gravar na sua sepultura sevilhana, uma inscrição nas três línguas: árabe, hebreu e castelhano.
Assim, a Espanha pôde ser considerada o único país da Europa medieval onde minorias consideráveis viveram juntas sem serem incomodadas. É verdade que aí a intolerância se manifestou mais tardiamente do que noutros lugares. Notemos que, noutros países da Europa, os judeus foram expulsos mais cedo do que em Castela. E no entanto, apesar desta vontade política afirmada durante tanto tempo, a história social e cultural da Toledo medieval será, a da assimilação progressiva, lenta de início e depois precipitada, dos grupos minoritários. A historiografia moderna pôde provar que o grupo muçulmano foi nitidamente menos importante do que aquilo que se afirmou durante muito tempo. O caso da transformação da mesquita em catedral levava as relações dos dois grupos por mau caminho.
Apesar disso, a convivialidade de facto, mesmo relativa, dos diferentes grupos étnicos e religiosos facilita o contacto entre as civilizações. Encontramo-nos numa época em que toda a franja meridional da Europa, a Sicília, o Sul de Itália, a Espanha reconquistada, se banha na civilização árabo-muçulmana. Na mesma época, o rei da Sicília e imperador do Sacro-Império, Frederico II de Hohenstaufen (1194-1250), está impregnado de cultura árabe.
Toledo faz a ligação entre o Oriente e o Ocidente. Os tradutores toledanos vão permitir a divulgação das obras de Euclides, Ptolomeu, Hipócrates, Galeno, Aristóteles, as obras clássicas gregas e latinas. Assim se facilita o desenvolvimento das jovens universidades de Salerno, Pádua, Bolonha, Montpellier... Hoje em dia, Toledo continua a ser um tema de reflexão e de meditação. Sem dúvida que após essa época brilhante, aprofundámos a noção de tolerância que, aprendemo-lo por vezes à nossa custa, apenas pode basear-se num respeito recíproco das comunidades entre si e no reconhecimento das sua identidade. Mesmo assim, a história de Toledo mostra-nos que do convívio das civilizações e do seu diálogo pode surgir o enriquecimento recíproco. E, mais humildemente, ensina-nos também que essa coexistência pode originar muitos problemas. Toledo continua a ser uma cidade-farol. Mesmo se o mito que suscita transcende as realizações, mesmo se a lenda distorce por vezes a história, ela é, não o duvidemos, uma dessas cidades donde emana o espírito.

Um toledano diferente dos outros
No limiar das grandes descobertas, a cidade ficou toda ela impregnada de cultura muçulmana; uma testemunha anónima imortal, recorda, no século XV, o passado desta cidade mitificada nos séculos XII e XIII, marcada pelo fim do califado e o recuo do Islão. Nesse 3 de Agosto de 1492, a costa atlântica da Andaluzia conhece uma efervescência desusada. No porto de Palos, próximo do reino português, neste fim de tarde tórrido, noventa homens embarcaram em três caravelas que acabam de levantar âncora; partem para Oeste, em busca de um novo caminho para as Índias. O seu almirante, Colombo, goza de toda a estima de Isabel, rainha de Castela». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos, Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.

Cortesia de Terramar/JDACT