Prefácio
«Vittorio Messori escreveu este belo livro para comunicar aos outros a
sua lúcida e apaixonada convicção de que a mais razoável entre as hipóteses sobre Jesus é que o Nazareno
seja o Cristo, o Filho de Deus. E, quando o terminou, foi pedir uma nota introdutiva
a uma pessoa que, como o autor sabia perfeitamente, honra em Jesus de Nazaré
apenas um grande, um sumo filho do homem. Uma
contradição? Não o diria. Falaria antes de um sinal dos tempos.
O facto que para Messori a única resposta cabal à interrogação Jesus
seja a da fé, que para ele não sejam convincentes nem a resposta
histórico-crítica da divinização do profeta galileu, nem a mítica da criação
dum homem à imagem dum deus de salvação, este facto não implica uma contraposição
como inimigos daqueles que creem no Homem-Deus ou de aqueles que admiram apenas
o homem que pregou e foi crucificado há dois mil anos. A contraposição, parece-me, é outra.
NOTA: Lúcio Lombardo Radice, catedrático de matemática na
universidade de Roma, foi membro do Comité Central do Partido Comunista Italiano.
Prémio Viareggio de ensaístíca, foi autor juntamente com Mário Gozzini de O diálogo à prova (1965), de Socialismo e Liberdade (1968) e, com
Roger Garaudy e e Milan Machovec, entre outros, de Marxistas perante Jesus. Foi um dos iniciadores e mais constantes
fautores do diálogo entre marxismo e cristianismo.
A contraposição está entre as doutrinas que submetem o homem e as fés que
o tornam livre e responsável. A contraposição está entre o Deus Pantocrátor dos
filósofos (e dos poderosos!) e
o Filho de Deus-filho do homem, que vive em más
companhias, morre de vergonhosa morte de escravo, não tem outra força senão
a Palavra. O Deus do cristianismo, vivido e sentido como o vivem hoje milhões e
milhões de homens e mulheres, e entre eles o autor deste livro, é um Deus que precisa do homem. É um Deus ético, um Deus de justiça, não uma
abstracta Mente ordenadora da
natureza e da história. No seu encarnar-se num homem está concentrada a grande
ideia (que na verdade revoluciona a
história) do homem que constrói ele mesmo a sua salvação e a sua
eternidade.
Que se trate duma encarnação divina realmente acontecida num tempo, num
lugar, num homem, como pensa Messori; ou que se trate, como eu tenho
para mim, duma formidável ideia-força que emana duma excepcional figura de
homem aparecida numa longínqua província do grande Império antigo já contagiado
pela dissolução, não faz diferença radical. (Não digo que não faça diferença: não faz antagonismo, inimizade,
irredutibilidade). Uma ética
profundamente secular, laica, condição
para a salvação não é a ideologia, é antes o comportamento, a práxis. São
palavras do cristão, do crente Vittorio Messori, que, todavia, atribui tanta
importância à pergunta-aposta de Blaise
Pascal que a coloca como inscrição na abertura do seu livro.
A ideia pascaliana da aposta,
parece-me na verdade a mais justa, a mais adequada. É inútil, creio,
afadigar-se ainda na busca de provas da
existência de Deus ou afadigar-se para ver se se pode provar que Deus não exista. Teísmo e ateísmo têm, estou
convencido, carácter postulatório: ou de aposta, para dizer como Pascal. Este livro,
belíssimo, repito-o, inteligente e sincero de Vittorio Messori, parece-me
em definitivo uma confirmação, um controle notavelmente rigoroso da tese da aposta, do postulado. Parece-me que seja bom reconhecê-lo honestamente de
ambas as partes. Da que me diz respeito, a parte daqueles que apostam no Não, subscrevo plenamente uma
afirmação, de grande honestidade intelectual, feita por Palmiro Togliatti
num seu famoso discurso sobre o destino do homem, em Bérgamo, na primavera de 1963:
que o princípio, iluminístico e positivístico, da desmistificação científica, histórico-crítica da fé cristã
deve ser corajosamente abandonado.
Tomei a liberdade de modificar uma palavra na citação (sem aspas) de
Togliatti. Falei de fé cristã, quando Togliatti diz religião. O facto é (afirmo-o há muitos anos, como Messori
atentamente recorda) que o cristianismo, admitindo que seja uma
religião (de religar) é
certamente urna religião peculiar, diversa de todas as outras, para as quais a
previsão duma possível próxima extinção, feita por Messori ao final da
sua investigação, é assaz sugestiva e racional. O cristianismo, de facto, é a
única religião, ou melhor fé, do mundo de hoje que tem na seu centro o homem. Eis
a razão profunda, creio eu, do encontro histórico entre revolucionários de
inspiração histórico-materialista e revolucionários de inspiração cristã. Uns e
outros apostam no homem. Que depois se trate do homem entendido como
valor absoluto (o homem-Deus)
ou do homem histórico, relativo, que apenas pode tender ao absoluto, pode ser
importante. Mas não decisivo». In Lúcio Lombardo Radice
In Vittorio Messori, Ipotesi su Gesú, Società Editrice Internazionale,
1976, Hipóteses sobre Jesus, Prefácio de Lúcio Lombardo Radice, Gráfica
Maiadouro, Maia, 1980.
Cortesia de Maiadouro/JDACT