Testemunho de Dona Briolanja
«(…) O que tudo disse, estando presentes, por honestas e religiosas pessoas
que tudo viram e ouviram, os padres mestres Manuel da Câmara, o prior da Igreja
de S. Pedro da dita vila, e Pedro Esteves, sacerdote de missa, ecónomo na dita
igreja, que juraram ter segredo no caso. E assinaram aqui juntamente com ele, rev.
Domingos Simões, e eu Pedro Álvares, notário do Santo Ofício, que o escrevi e
assinei a rogo da dita Dona Briolanja. Pedro
Álvares de Soto Maior - Domingos Simões Manuel da Câmara - Pedro Esteves.
Ida a testemunha o muito rev.
Domingos Simões fez pergunta aos ditos reverendos padres se lhes pareciam que a
dita testemunha falava verdade no que disse, segundo a ordem e maneira do seu
testemunho. E por eles foi dito que lhes parecia que falava verdade, segundo a
maneira com que testemunhou e segundo sua qualidade e segundo opinião que tem
de sua cristandade e consciência. E tornaram assinar. Pedro Álrarrr, notário do
Santo Ofício, o escrevi. Manuel da Câmara - Domingos Simões - Pedro Esteves.
Testemunho de António Gomes
E logo aí pareceu o senhor António Gomes de Carvalho, fidalgo da Casa
de El-Rei Nosso Senhor marido da dita senhora Dona Briolanja, testemunha
referida, e o muito reverendo Domingos Simões lhe deu juramento dos Santos
Evangelhos, em que pôs sua mão, prometendo dizer verdade. E lhe fez pergunta
pelo referimento atrás nele feito; e por ele foi dito que verdade era que ele
ouviu dizer à dita senhora Dona Briolanja, sua mulher, que estando um dia,
haverá treze ou catorze anos, pouco mais ou menos, em Lisboa, em casa de Damião
de Goes, desejara sendo prenhe de auditu,
comer carne de porco. E que lhe parece que lhe disse que era isto em um dia de
sexta-feira ou sábado e que, à ceia ou jantar, se trouxera à mesa carne para a dita
sua mulher, e que, comendo ela da dita carne, comera também o dito Damião de
Goes dela e dissera que o que ia para dentro não fazia nojo senão o que saía
para fora.
E que isto lhe disse a dita senhora sua mulher, agora que ouviu dizer
que o dito Damião de Goes era preso. E que não é lembrado dizer-lhe a que
propósito o dito Damião de Goes dissera que o que ia para dentro não fazia nojo
senão o que saía para fora. E que a ele testemunha lhe parece que o dito Damião
de Goes comeria a dita carne, sendo em dia proibido, por festejar a dita sua
mulher, por então estar mal disposta e prenhe; e que ele o tem por muito bom
cristão e que nunca lhe viu fazer nem dizer coisa que fosse contra nossa santa
fé católica. O que tudo disse estando presentes, por honestas e religiosas pessoas,
o padre mestre Manuel Câmara, prior da igreja de S. Pedro da dita vila de
Alenquer e o padre Pedro Esteves, ecónomo da dita igreja, que juraram ter
segredo no caso e assinaram aqui, juntamente com ele Domingos Simões e
testemunha, e eu Pedro Álvares, notário do Santo Ofício (maldito), que o
escrevi. E lhe foi mandado ter segredo no caso, sob cargo do dito juramento e
ele assim prometeu. E ao costume disse que o dito Damião de Goes é tio da dita
sua mulher. Ido ele dito António Gomes,
testemunha, o muito reverendo Domingos Simões fez pergunta aos ditos reverendos
padres se lhes parecia que falava verdade no que testemunhou. E por eles foi
dito que lhes parecia que falava verdade, segundo o que disse e por ser mui
temente a Deus e homem fidalgo e honrado. E tornarem a assinar - Pedro Álvares,
notário do Santo Ofício (maldito), que este escrevi. - Domingos Simões - Manuel
Câmara - Pedro Esteves.
Testemunho de Helena Jorge
Ao primeiro dia do mês de Julho de mil quinhentos e setenta e um anos,
no mosteiro de Santa Catarina da Carnota, estando aí o muito reverendo Domingos
Simões, capelão do cardeal infante nosso senhor, e secretário do Conselho Geral
da Inquisição (maldito), comigo notário perguntou a senhora Helena Jorge, mulher
que foi de Sebastião Macedo, que Deus tem, testemunha referida, e lhe deu
juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs a mão, e prometeu dizer verdade. E
lhe fez pergunta pelo referimento feito nela. Disse que é verdade que, depois
de ser agora preso Damião de Goes, lhe disse Dona Briolanja, sua filha,
tratando da tal prisão, que achando-se um dia em casa do dito Damião de Goes,
em Lisboa, e desejando uma pequena de carne de porco, por estar prenhe, se
trouxe à mesa, sendo dia de pescado e em que se proibia pela Santa Madre Igreja
comer carne. E que começando ela a comer da dita carne, lhe dissera o dito
Damião de Goes: - Sobrinha, não hás-de
vós de comer essa carne só. E que lhe parece a ela testemunha que lhe
disse também a dita sua filha que o dito Damião de Goes comera da dita carne. E
que outra coisa lhe não lembra acerca disto».
In Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio &
Alvim, 2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT