Lisboa e as antigas casas de comeres. Do regimento do oficio de
confeiteiro
«(…) Mais bem comportadas, mas não menos prejudiciais ao negócio, as
freirinhas dos conventos de Lisboa lembraram-se de fabricar e vender doces,
tomando-se depressa autoridades na matéria, chegando mesmo a sua doce fama aos
nossos dias.
Como se tudo isto não bastasse, um
número infinito de conserveiras confeccionava e vendia doce de frutas, de amêndoa e jarzelim, sem o mínimo de controlo de
pesos e asseios, deixando todos os encargos do negócio aos queixosos confeiteiros.
Mas nem só a concorrência fazia a vida cara aos confeiteiros. Por vezes, o abuso partia de dentro e de quem tinha
por missão defendê-los e ampará-los.
Prova disso é o teor da petição que reclama providências contra os juízes
e escrivão do ofício de confeiteiros,
aos quais competia retirar das caixas de açúcar remetidas da América uma amostra para testar o produto, acto
susceptível de abusos, chegando, a título de amostra, a retirar, de cada caixa,
nada menos de meia arroba, o que
constituía descarado roubo.
Diga-se, em abono da verdade, que os nossos confeiteiros, contrariando a doçura profissional e talvez mesmo
para a contrabalançar, queixavam-se às autoridades frequentemente e pelos mais diversos
motivos, não hesitando em pedir ao Senado da Câmara medidas contra tendeiros e merceeiros por estes usarem,
nos seus ofícios, balança de cobre com
bico, peça de que reclamavam a exclusividade, como emblema importante da
suas lojas e das suas artes.
E o Senado lá concordou, remetendo tendeiros e merceeiros para as suas
pobres balanças de latão... e sem bico.
Ucharia real do monarca José I
Variando sensivelmente ao longo dos séculos, mereceu especial cuidado a
regulamentação do dia a dia da Casa Real portuguesa, sobretudo no que diz
respeito às mesas, diariamente
careciam de provisão e serviço ao jantar
e à ceia.
Cozinhas, oficinas diversas e, sobretudo, as ucharias funcionavam sob inspecção directa do vedor da Casa Real,
responsável pela administração de pessoas e bens directamente ligados à
alimentação diária dos reis, suas cortes e seus criados».
In Manuel Guimarães, Histórias de Ler e Comer, Vega, Lisboa, 1991, ISBN
972-699-294-X.
Cortesia de Vega/JDACT