sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ensaios. Sobre a História de Portugal. Vitorino Magalhães Godinho. «É sabido que Herculano coloca a cesura fundamental da história portuguesa em fins do século XV, quando se teria completado a virilidade moral da nação portuguesa»

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A Divisão da História de Portugal em períodos
«(…) Se a forma como nasceu e cresceu a historiografia portuguesa explica a adopção de tal quadro por dinastias e reinados, já é de espantar que este tivesse sobrevivido à crítica lúcida e impiedosa que dele fez Herculano nas Cartas sobre a história de Portugal, em 1842, na esteira de igual demolição, para a história da França, levada a cabo por Thierry. O catálogo das famílias reais é uma cousa, a existência colectiva de um povo, outra inteiramente diferente. Necessidade de estabelecer uma cronologia rigorosa, dos factos políticos e da vida dos homens públicos, há evidentemente; mas ela não nos dá sequer a biografia desses homens, que, a tal reduzida, representa apenas abstracções, o homem não pode ser separado do seu século, e sobre a sua existência individual tem influência imensa (Herculano chega a escrever: absoluta) a existência complexa dos muitos milhares, a que se chama nação; É por isso que, além de ser absurdo em tese geral resumir e representar a sociedade nos indivíduos, tal absurdo se torna monstruoso, quando o tomamos como medida das fases da sociedade. Que a folhinha de algibeira fique nas divisões dinásticas; mas isto não é ciência, e a história é ciência. Pouco bastará para nos persuadirmos de que a biografia das famílias ou dos indivíduos nunca pode caracterizar qualquer época; antes, pelo contrário, a história dos costumes, das instituições, das ideias, é que há-de caracterizar os indivíduos ainda quando quisermos estudar exclusivamente a vida destes, em vez de estudar a vida do grande indivíduo moral, chamado povo ou nação.
O critério é, pois, distribuir as épocas cronológicas pelas transformações essenciais da sociedade. O decisivo está dito, e primorosamente, inexcedivelmente dito. A aplicação do critério feita pelo próprio Herculano não se reveste, é evidente, da mesma importância, e foi aliás influenciada por outros factores, sobretudo de apreciação moral e política. É sabido que Herculano coloca a cesura fundamental da história portuguesa em fins do século XV, quando se teria completado a virilidade moral da nação portuguesa; o primeiro ciclo, a Idade Média, é aquele em que a nação se constitui; o segundo é o da rápida decadência como corpo social, o renascimento e todo o absolutismo; o século XIX abre novo ciclo, o terceiro, em parte regresso ao primeiro, porquanto as revoluções políticas do seu tempo seriam um protesto contra o renascimento, uma rejeição da unidade total, a renovação das tentativas para organizar a variedade. A nossa história começa com a separação do reino leonês, a Lusitânia, os domínios romano, visigótico, muçulmano, os primórdios da Reconquista pertencem à história geral da Península, e não especificamente à nossa, a família portuguesa conta apenas seis séculos de existência, é plebeia entre as mais plebeias nações. Sendo assim, dá a impressão de que 1640, renovando essa independência, deveria constituir outra cesura; todavia não; porque a revolução de 1640 traz à sociedade portuguesa levíssimas mudanças no seu modo de existir. A intrusão dos Filipes também não merece, pela mesma razão, ser como tal considerada. Corte, mau grado secundário em relação ao fundamental do tempo do rei João II, opera-se, sim, ao entrar no último quartel do século XIII, não por subir o rei Dinis I ao trono, mas porque, como já pressentira António Brandão aí se acaba realmente o primeiro período da nossa história.
Ao critério definido por Herculano chamaríamos hoje estruturalista, pois para este historiador os acontecimentos que caracterizam a generalidade de uma época, e que reunidos constituem a síntese dela, têm sempre origem na índole íntima da sociedade, na natureza da sua organização. Tal concepção coadunava-se perfeitamente com a sociedade nascida da Revolução francesa e da Revolução industrial, e por isso admira, à primeira vista, que não se impusesse desde logo irresistivelmente à historiografia e ao ensino em Portugal». In Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.

Cortesia LSdaCosta/JDACT