Notícia Histórica
«Não foi só em resultado do valimento régio e do alto cargo de mordomo
mor, que no seu tempo, em Portugal, se distinguiu João de Aboim. À sua cultura
literária, o seu engenho poético, elevaram-no muito acima da maior parte dos
cortesãos seus contemporâneos. Companheiro do Infante Afonso, depois conde de
Bolonha e rei de Portugal, com ele assistiu em França durante os dezasseis anos,
mais mês, menos mês, que lá viveu. Naquele meio, muito superior em ilustração
ao da pátria, desenvolveu João de Aboim o seu espirito com a lição e o exemplo,
que não aproveitaram só a seu amo. Este, posto no trono, transformou a sua
corte à moda francesa, tanto no cerimonial, como na protecção dispensada aos
trovadores nacionais, de que se rodeou, de forma a tornar o seu reinado, entre
nós, na Idade Media, (o tempo da maior eflorescência da arte lírica. Aquele,
dando lugar ao estro e trazendo para cá o verniz no estrangeiro adquirido, foi o
mais ilustre dos cortesãos que vieram de França com o Bolonhês.
Há notícia de trinta e três poesias de João de Aboim, delas porém apenas
se conhecem dezassete: duas cantigas de amor; onze cantares de amigo, graciosos e fluentes; uma Pastorela
mimosa, talvez, cronologicamente, a primeira
das pouquíssimas que subsistem nos cancioneiros galaico-português; e três
cantigas de mal-dizer, tenções
pouco saborosas, de modo algum
isentas de palavras tão baixas, que admira encontrá-las no vocabulário de um
rico-homem da confiança del Rei, mesmo na Idade Média.
Muito resumidamente apontadas as notícias que do Senhor de Portel,
como trovador, nos dá no seu incomparável estudo a senhora D. Carolina
Michaëlis Vasconcellos, tentarei agora traçar novamente, em ligeiro esboço, a
biografia do mordomo mor de Afonso III, retocando mais miudamente que da
primeira vez todo o quadro, e principalmente a parte relativa aos bens e
fundações, visto serem estas notas destinadas a servir de introdução histórica
à reprodução do Livro do registro das
cartas de don Johan de Portel, levado a efeito por Pedro Azevedo.
No antigo julgado da Nóbrega, na margem direita do Lima, no meio de
altas montanhas, fundou Origo Óriguiz um castelo por ordem de Afonso
Henriques, que em prémio lhe deu, provavelmente além doutros bens, dois
casais chamados de Penelas, na freguesia de S. Martinho de Paço Vedro do
referido julgado. Neste mesmo, na paróquia porém de Santa Maria de Santa Azias,
possui Órigo a quinta de Crastafroia,
à qual foi anexando várias terras ao redor, coutando-as por marcos, até que,
por fim, entendendo-se com o abade de Ermelo, dividiram entre si a freguesia
não deixando nada reguengo. Também possuiu, prédios na paróquia de S. João de
Grovelas, e outros domínios teria no julgado, os quais contudo não são
claramente indicados nas Inquirições.
Deste Órigo foi provavelmente descendente Ourigo da Nóbrega em
quem os Livros de linhagens começam a
geração. Vivia ele ainda nos princípios do século XIII e talvez seja o Honoricus
Joannis que em 1223 assinou,
como testemunha, no foral de Sanguinhedo e em 1226 no de Marvão, não sendo motivo para a dúvida, o facto
dele aparecer neste documentos como simples testemunha, e não como rico-homem
confirmante, porque nos Livros de linhagens é muito vulgar dar-se o dom a
indivíduos que o não possuíam; e não só por isto, mas pelo que lá adiante direi
acerca daquele título.
Casou Ourigo da Nóbrega com D. Maria Lourenço, filha de
Lourenço Fernandez Cunha, senhor do julgado da Taboa, já falecido em 1258.
Entre vários filhos, que deste casamento provieram, foi um, se não o
primogénito, pelo menos o de mais nomeada, Pedro Ouriguez da Nóbrega. Em
1258 possuía ele vários bens em terra da Nóbrega, não se podendo contudo
perceber das Inquirições desse ano, se também era senhor de casa na freguesia
de Santa Maria de Aboim, designação por que seu filho já naquelas mesmas
Inquirições era apelidado. A casa de Santa Maria de Aboim ainda então
não pertencia a João, que só a adquiriu por escritura de 20 de Julho na
era de 1308 (1270), por troca feita
com a Ordem do Hospital, possuidora, já ao tempo das citadas Inquirições, de
bens na paróquia. Tornemos porém a Pedro Origuez.
Foi ele camareiro e senescal do infante Afonso, conde de Bolonha, a
quem acompanhou a França, entrando com ele a 22 de Julho de 1242, na batalha de Saintes na qual ficou prisioneiro dos ingleses,
apesar da hoste do infante os ter destroçado. Saindo do cativeiro, continuou no
serviço do conde de Bolonha e na qualidade de seu camareiro foi uma das pessoas
que em Paris assistiram, no dia 6 de Setembro de 1245, à vergonhosa cerimónia do solene juramento feito por Afonso,
de guardar, logo que fosse investido no governo do reino, as estipulações
impostas pelo clero».
In Pedro Azevedo e Braamcamp Freire, Livro dos Bens de João de Portel,
Cartulário do século XIII, Archivo Historico Portuguez, 1906-1910, Edições
Colibri e CM de Portel, Lisboa, 2003, ISBN 972-772-406-X.
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