Com
Camões na encruzilhada
«(…) Assim rezava, pois,
esta crónica portuguesa.
Cinco anos volvidos,
chegamos a 1628 e à publicação do Epítome
de las Historias Portuguesas da
autoria de Faria Sousa, onde uma vez mais nos deparamos com um
prisioneiro que adere à decisão sobre a recusa de uma praça cristã, com um
Fernando cargado de hierros, moço de cavallos, com um príncipe que vino a morir (…) en las afrentas y miserias
de una esclavitud rigurosa, com um cristão com direito a premio imortal de la bienaventurança»,
cujo corpo ficaria colgado de una almena
e, só muito tempo depois, por dos mugeres
suyas i dos hijos, o cederia o rei de Fez a AfonsoV.
Se até aqui pouco
aprendemos, conhecendo anteriores escritos, convém, no entanto, anotar, para
futuros confrontos, que o historiador cita, como companheiro de Afonso, um João
Coutinho, retrata (em termos antecipadamente calderonianos?), tanto a
cidade de Tânger como as fases principais da expedição e a constituição da
armada portuguesa, tendo bem claro deixado não só a existência de duas
correntes na corte portuguesa, no que à partida para África dizia respeito,
como também que eram Henrique e Fernando os principais impulsionadores da ideia
de grande fama vir a granjear-se com a conquista.
Fama que, afinal, ao Infante
Santo apenas viria por tão pacientemente, e sem discordância, se ter
adaptado às más notícias chegadas de Lisboa. Retomemos um excerto e façamos o
nosso posterior juízo: [nas cortes]
siguiose el voto de que por el no se diesse aquella plaça:este era tambien el
propio suyo, este el de su hermano don Enrique que le avia acompañado. En
llanto pagó nuestro Reino aora a la fortuna todos sus regalos, todos sus triunfos.
E que fique o alerta,
embora sem o conselho para precipitadas conclusões: El Príncipe Constante é apenas um ano posterior ao Epítome
de Faria Sousa, português de nascimento, mas com lugar reservado na
corte de Madrid.
O passo ao teatro
Com Camões entrámos no texto literário e, desde Camões, que dele nos afastámos, apesar da menção honrosa concedida
a frei Luís de Sousa e de outros escritores, como, por exemplo, frei
João Álvares, também, por alguns excertos, literariamente se
candidatarem a um discreto louvor. Resta-nos o dever de um curto, mas
absolutamente indispensável, percurso pela ficção teatral, ou para, desde já,
sermos mais rigorosos, por uma obra atribuída a Lope de Vega que ao infante Fernando toma como principal
personagem, La Fortuna Adversa del
Infante D. Fernando de Portugal, e por uma outra, da autoria de Vélez
Guevara que lhe deu o título de Comedia
Famosa del Rey Don Sebastián (o rei Sebastião I também morto
em África).
NOTA: Pela fragilidade
que apresenta, a obra não parece realmente ter como autor Lope de Vega, antes outro
dramaturgo do seu ciclo. Esta Comedia Famosa de la Fortuna Adversa del
Infante don Fernando de Portugal foi publicada por Sloman. Da Comedia
Famosa del Rey Don Sebastián, de Vélez de Guevara, existe edição de Werner
Herzog, Madrid, Anejos del Boletín de la Real Academia Española, 1972.
Algumas referências encontrei, em edições soltas de El Príncipe Constante,
a uma obra do mesmo dramaturgo intitulada La Fortuna Adversa del Infante Don
Alfonso de Portugal, como possível antecessora da obra de Calderón.
Demos, então, a voz ao
primeiro texto, aliás, muito mais importante do que o outro na perspectiva que
vimos adoptando. Estávamos em 1595, a
biografia de Román poderia até ter sido redigida um pouco antes,
Portugal e Espanha viviam, há quinze anos, um regime de monarquia dual, alguns
temas e mitos lusitanos, embora não desconhecidos antes, haviam, pouco a pouco,
conquistado o favor hispânico, sobretudo se decorrentes de afrontas de inimigos
comuns. Sempre atento a glórias e a desditas, o grande teatro espanhol do Siglo
de Oro não perdia de vista o dramatismo intrínseco de certos troços
históricos da vida portuguesa, tanto mais que, levando-os para a cena, aliava à
divulgação de uma matéria, em si mesma aliciante para um vasto público (dos
dois lados da fronteira, note-se), a publicitação da simpatia da corte
dos Áustrias pelas causas de um povo que nunca completamente se resignara a não
ser independente (a partir de José Maria Viqueira, muitos têm sido os
estudiosos a ocupar-se da matéria portuguesa em textos do teatro espanhol do siglo de oro; não há ainda, no
entanto, uma bibliografia completa)».
In Maria Idalina Rodrigues, Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante, Via Spiritus 10, 2003.
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