A Montagem de uma Conspiração.
Debates
de Comando e Direcção
«(…) No mesmo sentido Ribeiro Saraiva propõe ao revoltoso Miguel um quadro de actuação que,
perante a opinião pública portuguesa e as potências estrangeiras, fosse tomado
como independente. Em caso de sucesso da Restauração uma Regência Legal assumiria o poder num primeiro momento. Ou seja,
estamos perante um expediente institucional para promover o regresso de Miguel, com certas garantias.
De facto, a ideia da restauração de Miguel nunca tinha desaparecido do cenário político Português desde
o seu exílio, em 1834, na sequência
da Convenção de Évora Monte. A conspiração das Marnotas (1837), o Remexido e a sua difícil repressão, os receios, por vezes
exagerados, de focos de agitação miguelista nas províncias do Norte, uma certa
obsessão pelo problema do desembarque de Miguel
e as graves perturbações da ordem moral e política do Estado, oriundas do cisma
religioso, tudo isto constituíam elementos de insegurança para o Estado
liberal, numa altura em que ele estava longe de dispôr de estruturas que, com
eficácia, unificassem o país sob o seu domínio.
Na verdade, os esforços de resistência anti-liberal tinham-se mantido,
ainda que completamente atomizados e ineficazes. Os efeitos desarticuladores da
política liberal nas formas tradicionais da sociedade portuguesa, a vigilância
repressiva do Estado e a ausência de uma organização conspiratória capaz de
dirigir e harmonizar os meios e objectivos, tornava o perigo miguelista (à
excepção do Remexido) mais aparente do que real. Todavia, as
correspondências de intenção sediciosa continuavam e eram, por vezes,
apreendidas. São precisamente estes canais de comunicação já estabelecidos quer
no interior do reino, quer a partir do exterior, que vão ser utilizados nesta fase
da resistência miguelista, iniciada em 1842.
O exemplo mais significativo desta continuidade experimental, digamos assim,
com os elementos anteriores é a própria presença, de acordo com António Ribeiro
Saraiva, do general Reginald Macdonell, antigo Comandante em Chefe do Exército
miguelista em 1833, logo nesta fase
inicial de estabelecimento das bases para um futuro movimento de Restauração.
Com efeito, Macdonell havia estado recentemente em Portugal, em 1839
e 1841, altura em que foi preso, respectivamente no Porto e em Lisboa,
acusado de fomentar a rebelião miguelista. As autoridades portuguesas não se
enganavam. Este general escocês de patente portuguesa tinha não só as suas
ligações firmadas no reino, como também gozava de um certo prestígio que lhe
advinha da sua competência militar e dos sacrifícios pessoais que já tinha
feito pela causa de Miguel. Nestas
condições compreende-se que os seus serviços fossem desde logo mobilizados, no
sentido de promover contactos epistolares com os seus habituais correspondentes
no reino, informando acerca das disposições e objectivos do plano de
Restauração que se estava a definir em Londres e Roma. Assim, Macdonell é
incumbido, por Ribeiro Saraiva, em Julho de 1842, de diligenciar a divulgação no meio miguelista em Portugal de
uma Instrução, compreendendo o
ordenamento geral da nova autoridade
sediada em Londres, destinada a coordenar a conspiração realista. O Centro Director
centralizaria as iniciativas e as decisões mais importantes, até porque ficava
estabelecido como canal obrigatório de comunicação com a corte exilada. Nesta
altura era composto por António Ribeiro Saraiva, responsável pela área política
e pelo general Macdonell que tinha a seu cargo o planeamento militar.
O funcionamento desta estrutura de direcção em Londres, separada de Miguel, embora actuando em seu nome e
com a sua anuência, trazia notórias vantagens políticas de distanciamento,
proporcionando evidentes facilidades de ligação com o Reino, tendo em vista os trabalhos
preparatórios em curso. O que está em causa é o conceito negativo acerca do
governo de Miguel, existente em
faixas significativas da sociedade portuguesa e os inconvenientes diplomáticos virtuais
do envolvimento directo de Miguel (Tratado de Quadrupla Aliança)». In
José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral
(1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN
972-8288-80-8.
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