«(…) Liberta dos homens de religião negativa, a Renascença Portuguesa
ficava com os poetas de lirismo transcendental, esses que Leonardo escolhe em
obra célebre: o paganismo de Afonso Duarte, o humanismo sereno de Lopes
Vieira, o heleno de ternura cristã, Pascoaes, o sentimentalismo aquático
de Augusto Casimiro, o abraço abraçado da alma popular, Corrêa d'Oliveira.
A poesia funcionou como saída para uma filosofia que o discurso lógico mal
continha, como águas em cascata, pelas paredes barrigudas do açude. Por isso, a
íntima relação criacionista que nos autores renascentistas se oferece entre
Poesia e Filosofia. A Filosofia exprime-se
poeticamente, a Poesia sente
filosoficamente. O singular da poesia aguilista reside neste pormenor: em constituir um núcleo vivo, de filosofemas
e de teoremas, sejam eles dados, ou pelo prolóquio, ou pelo contraste que leva
ao paradoxo do absurdo. A sensível náusea é mais fácil de pensar do que o
inteligente absurdo. Todavia, em saudade e criação, o pensamento renascentista
sempre olhou para a claridade, não obstante a figuração do enigma sófico,
e do mistério religioso. A passagem da direcção de A Águia de uma personalidade
singular como era Pascoaes para outra singular personalidade, como era Leonardo,
jamais afectou o espírito renascentista. Em 1912, o grupo portuense propunha-se renascer e regressar às fontes originárias da vida, mas para criar uma
nova vida, segundo a forma da alma portuguesa. Ao assumir o leme da revista
em 1922, Leonardo manteve-a como órgão de crítica e reconstrução imediata da
vida social e política e da nação, na procura de um voo mais alto. O
universo da natureza, o baixo e o alto estão unidos ai, na sua mensagem. O
sinal de A Águia consiste em juntar o disperso, em unir o separado: do melhor arado à mais bela e ampla hipótese
metafísica, do mais ingénuo cântico de amor à mais rica interpretação religiosa
da vida, do trabalho à meditação, do amor da família ao da pátria, da
humanidade e de Deus nada lhes será estranho.
Nos instantes ditados pela mente, pelas mãos e pelo coração, a Renascença
Portuguesa procura, ainda em 1922,
tal como em 1912, os caminhos da Eternidade. O singular da
sequência activa leva a admitir uma ampla influência da arquitectura do
movimento nas gerações subsequentes. Programas quais os centrados em Alma
Portuguesa, Integralismo Lusitano, Seara Nova, Portucale, Prometeu, 57
(e agora na portuense Nova Renascença) seriam de mais
complexa interpretação sem o recurso clarificante para a cadeia renascentista.
Este recurso não impõe uma filiação, já que, em mais de um caso, assistimos a
uma desnaturação, mas explica o vertebralismo lusíada de gerações poetantes
e pensantes, a quem foi dado viver em regime de pensamento invertebrado. Ainda
quando não seguiram a ideologia, imitaram o espírito do ideal de nascer de
novo. Sendo patente que, pelos menos dois orientes subsistiram para além do tempo
geracional e historial do movimento, mais do que como formas pretéritas, como
formas vivas de inteligência intemporal e espiritual: o Criacionismo e o Saudosismo,
que, defluindo de Leonardo e de Pascoaes, são formas vivas de pensamento
novo, por serem formas que valem por si mesmas, independentemente dos autores
históricos que primeiro as formularam em teorese de sistema». In
Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção
Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
Cortesia de Guimarães Edt./JDACT