Cortesia de luiscunhapinheiro e jdact
Eça de Queiroz, cidadão da diáspora
e do remover inquietante dos mundos (apanágio de génios e visionários), e
escritor tão brasileiro quanto português o é pela pátria que a própria língua
extrapola, universal.”
«O papel que Eça de Queirós
desempenhou no Brasil foi analisado por vários autores. Primeiramente é curioso
observar nessa relação luso-brasileira como, por um lado, ele personificou em
muitos estudos o vínculo estrito com a matriz portuguesa, e, por outro lado,
como prevaleceu uma inclinação para considerá-lo parte de um património comum.
Mas, acima de qualquer controvérsia nesse sentido, não há dúvidas de que sempre
causou forte impressão o impacto da obra queirosiana no Brasil. Como explicar esse impacto? Estudos
mais recentes demonstram que não foram as narrativas de maior apuro
intelectual, mais densas e complexas, como O Mandarim (1880), A
Correspondência de Fradique Mendes (1900) e A Cidade e as Serras (1901)
que o tornaram, de imediato, num escritor extremamente popular no Brasil, mas
exactamente O Primo Basílio (1878), de composição talvez menos apurada e
personagens caricaturais, de um estilo linear e carregado de sensualismo, que
faz lembrar as mais bem sucedidas telenovelas brasileiras de hoje. O que
queremos dizer é que o culto a Eça de Queirós no Brasil foi tão forte que os
jovens da belle époque brasileira se
reuniam num cenáculo, à
maneira da geração portuguesa de 1870.
Não temos dúvida de que a França representava a própria ideia de modernidade
tanto para Portugal como para o Brasil. De facto, Eça de Queirós, enquanto
diplomata e residente em França (e também na Inglaterra), com os seus textos
ficcionais e também jornalísticos, para a Gazeta de Notícias, a Revista
de Portugal e para a Revista Moderna, acaba por
representar uma ponte entre o Brasil e as metrópoles modernas. Quanto à
presença do Brasil no imaginário queirosiano, é evidente, para nós, que ela
exprime inteiramente o sentido da observação de Sampaio Bruno, acerca da
existência de um país […] que,
naturalmente, parece que deveria captar, desde o primeiro momento, todas as
atenções e promover entre nós as mais vivas e permanentes curiosidades.
Com tanta mais razão quanta a experiência histórico-cultural em comum e, principalmente,
em vista do futuro, considerando-se que Eça,
no final do século XIX, particularmente em Paris, foi testemunha das profundas transformações
culturais empreendidas pela modernização da forma da vida europeia. Certamente,
a maneira de ver o Brasil foi complexa e ambígua, mas sempre
fecunda, permitindo ainda hoje uma reflexão sobre o sentido da modernização na
cultura de língua portuguesa.
Inegável é que, sem conhecer o Brasil, Eça
de Queirós ao actuar como correspondente para jornais no Brasil vai
procurar fundar na sua experiência pessoal o traço da sua crítica. Assim, é Portugal que está sempre pelo avesso. O
Brasil é uma entidade remota, vaga, esparsamente referida. A influência
que o escritor exerceu sobre o meio intelectual brasileiro é muito vasta, como
enfatiza Lúcia Miguel Pereira: toda
a gente, falando ou escrevendo, copiava Eça, sem dar por isso. Não cabe aqui
elaborar um inventário de toda a preponderância que o autor atingiu em terras
brasileiras. Pretendemos, apenas, recuperar, de forma não exaustiva, alguns
testemunhos que nos podem fornecer uma ideia da dimensão colossal que Eça desempenhou como ponte na história
cultural luso-brasileira, sendo uma presença constante no imaginário brasílico.
Dos autores brasileiros, além das conhecidas biografias elaboradas por Miguel
Melo (1911), Viana Moog (1945) e Luís Viana Filho (1983),
temos alguns relatos dignos de nota. Em 1902,
o então prestigioso crítico José Veríssimo publicou o livro Homens
e coisas estrangeiras, no qual descreve com emoção a primeira vez em
que partilhou o mesmo espaço físico com Eça de Queirós. O encontro deu-se em
Lisboa num sarau literário no Teatro Trindade. Alguns anos mais tarde, os
dois escritores encontraram-se em Paris. No entanto, o brasileiro jamais tentou
uma aproximação maior: amando-o, não
quis jamais conhecê-lo pessoalmente, por essa espécie de pudor indefinível que nos
afasta de pessoas admiradas e queridas em silêncio. Para louvar o
influxo do carácter moderno e inovador do espírito queirosiano, Veríssimo
chegou a afirmar que o Brasil não foi
capaz de produzir nenhum naturalista que se lhe compare. Mais próximo
do autor de Os Maias, Eduardo Prado escreveu uma homenagem ao amigo
Queirós, enquanto este ainda era vivo, publicada na Revista Moderna. Nesta homenagem,
Prado enfatiza a imaginação e organização de Eça, traça um perfil das ideias do
escritor e revela alguns factos sobre o quotidiano em Paris. Já o poeta Olavo
Bilac, que também conviveu com Eça em Paris, publicou na Gazeta
de Notícias um texto necrológico de homenagem ao escritor. A
convivência entre Bilac e Eça, em 1890,
deu origem a uma paródia: em conjunto, os dois escritores elaboraram num serão
de Inverno um texto intitulado Inês de Castro (um tema português
que está presente até hoje no imaginário brasileiro). Segundo a filha de Eça, Maria
d’Eça de Queiroz (e reproduzidas por Heitor Lyra n’O Brasil na obra de Eça
de Queiroz), da brincadeira também
participaram a cunhada (Benedita Pamplona) e a mulher (Maria Emília)
do escritor lusitano». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A
moderna presença de Eça de Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola
Superior de Educação de Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira,
CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.
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