Alquimia e Magia e Hermetismo
«(…) Essa interpretação da Alquimia é já diferente da anteriormente
exposta e pode ver-se, por exemplo, neste trecho, que apresenta uma maior
conotação sexual, tântrica (quer da mão direita, imaginariamente, quer
da mão esquerda, fisicamente: a
Matéria Prima é a Vida (a Vida Corporal). O Homem e a Mulher necessários para a
produzir têm de ser obtidos pelo adepto dentro de si mesmos, ou satanicamente,
unindo a homo com a heterosexualidade, ou divinamente, com a castidade
(...).
Magia, cabala e vias tântricas ocidentais
São diversos os livros sobre estes assuntos, que Pessoa
possuía na sua biblioteca dos quais citaremos, a título de exemplo, os seguintes:
(The) Kabbalah unveiled, de Rosenroth, traduzido por Mathers (um dos
cisionistas da Golden Dawn,
contra o poeta e Prémio Nobel, Yeats, tendo sido acompanhado na sua
rebelião por Crowley), Magic white and black, Hartman (teósofo e
rosacruciano alemão, fundador em 1888, da Rosa-Cruz Esotérica) e Le
Kama Soutra, de Vatsyayana (o popular tratado de divulgação de
técnicas tântricas, que pode levar, no entanto, muitos ocidentais a ficarem com
uma imagem limitada ou mesmo deformada do Tantrismo, já que este não se limita
a uma ginástica sexual, é muito mais
do que isso). No nosso artigo de 1998, referimos muito rapidamente a
reflexão pessoana sobre a Magia,
sobretudo através dos textos publicados por Yvette Centeno, para o Ensaio sobre a iniciação, dos
quais destacámos o seguinte: o Misticismo
busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o intelecto
pelo poder; a Gnose a transcender o intelecto por um intelecto superior mas,
continua Pessoa, para
transcender uma coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa coisa.
No mesmo Essay on the Initiation, podemos ler: há três tipos distintos de iniciação, simbólica ou exterior intelectual
(exterior à interior) e vital
(interior...). Nas iniciações vitais,
que reforçam a emoção e, portanto, conduzem à Alquimia como realização, o candidato
vive aquilo que sente e sabe.
Temos aqui que Fernando Pessoa considera uma Magia vital, que passa pela sensação, e além disso,
reconhece que para se transcender uma
coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa coisa, estes são
princípios básicos do Tantrismo (oriental ou ocidental, gnóstico ou hermético).
No entanto, no mesmo Ensaio, mas noutro fragmento, o Poeta
escreve: a primeira tentação a ser
vencida, para que sejam evitados os Erros do Caminho, é o Mundo. A segunda
tentação a ser vencida, para que sejam evitados os Erros da Pousada, é a Carne.
A terceira tentação a ser vencida, para que sejam evitados os Erros da Cripta,
é o Diabo. As tentações são comuns a todos os caminhos, mas o místico está
mais sujeito à tentação do Mundo, o mágico à tentação da Carne, o gnóstico à
tentação do Diabo. O dizer-se que o mágico está mais sujeito à tentação
da carne, implica seguramente que ele utilize pelo menos um tantrismo da mão direita.
E, no mesmo fragmento, revelando um bom conhecimento da história de uma das
personalidades fundadoras da Golden
Dawn, refere Pessoa: dificilmente haverá um mágico que não sucumba a coisas que revelam a
fraqueza da vontade. O fim terrível de Mac Gregor Mathers embrutecido pelo álcool
é um caso pungente. Ele poderia talvez controlar os diabos de Abremalin; não foi
capaz de controlar os seus (fossem eles a luxúria, a bebida ou a desonestidade).
Portanto, Fernando Pessoa reconhece a Carne
como uma tentação a ser vencida pelo Mago (a carne está perto do mago...), mas,
segundo ele próprio afirma no mesmo Essay, não a evitando, mas passando por ela, vencendo-a, de modo a
transcendê-la, pois, como ele diz, quem
sabe, por exemplo, o significado místico e transcendente da cópula? (...) isto
é mais sério que quanto de sério há na vida aparente.
In José
Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN
978-989-8092-27-4.
Cortesia de Ésquilo/JDACT