«(…) Sento-me aos pés da cama. No ar há um intenso cheiro a sexo. Atrás de
mim, um homem de quarenta e cinco anos que acabei de fo… Olho para o espelho e
pergunto-me que idade terei realmente. Sinto-me com quarenta, mas no meu cartão
de cidadão está marcado dezassete. Imagino o que os meus pais dirão se souberem
o que realmente se tem passado na minha vida. Para eles, eu ainda sou a menina
perfeita, pura e virgem. Quando pensam no meu futuro, vêem-me a caminho do
altar e de um casamento com trezentos convidados. Perdi a virgindade aos catorze.
Era velha quando isso aconteceu. Pelo menos, comparando com a maior parte das
minhas amigas. Desde os doze que elas gozavam comigo por ainda não ter ido para
a cama com um rapaz, tal como já haviam feito.
Talvez nessa altura ainda estivessem bem presentes na minha memória todas
as histórias que ouvia na minha família sobre o que era suposto fazer-se aos
doze anos. Segundo a minha mãe, e tal como seria natural em todas as gerações,
nessa idade ela brincava com bonecas. Mas aos doze eu comecei a ver as minhas
amigas brincar com pi… Essa era a conversa que mais vezes tínhamos nos intervalos
das aulas. Aos catorze perdi a virgindade, e aí senti que fazia parte do clube,
que naquela altura já nem era assim tão restrito. Tinha conquistado um novo
prazer. Um prazer demasiado viciante para ser desperdiçado e apenas usufruído
quando fosse mais velha. Um dos nossos passatempos favoritos era
olharmos para as professoras e darmos-lhes notas. A escala era de um a dez. A
nota um para quem não ia para a cama
há muito tempo. A dez para quem tinha
mandado uma que… na noite anterior. A meio das aulas trocávamos papéis com as
notas; muitas vezes éramos apanhadas, mas apenas tinham números. As professoras
ficavam com uma cara muito surpreendida. Obviamente que não sabiam o que aquilo
significava. Nós desatávamo-nos a rir.
Normalmente a melhor nota que lhes dávamos era um três. Nunca demos um dez
a ninguém. As nossas professoras pareciam sempre tão stressadas que nenhum
homem quereria estar com elas. Ao contrário de nós, para quem estava sempre
tudo bem. Por isso, começámos a ter rapazes e, sobretudo, homens atrás de nós.
Homens com trinta e até quarenta anos. Se calhar muitos até eram os maridos ou
namorados das professoras, que não os satisfaziam. Eles, se sabiam a nossa
idade, não se importavam. Mas o mais certo era não se aperceberem. Quando íamos
a discotecas, produzíamo-nos tanto que parecíamos ter dezanove anos. Ao fim de segundos
estávamos rodeadas por homens, muitos com idade para serem nossos pais.
Vejo a minha cara no espelho. Estou tão passada com a coca que acabei de snifar
que não consigo perceber se tenho nojo ou pena de mim. Batem à porta. Não tenho
tempo para responder, porque é aberta de imediato. É a Rita, a minha melhor
amiga. Também tem dezassete anos. - Vem - diz-me, enquanto dá uma passa no
charro que tem entre os dedos. - Estamos todos à tua espera para jogar. Com a
nossa idade isso pode significar querer que vá jogar com eles às cartas ou com
a PlayStation. Mas não. No andar de baixo, está prestes a começar uma rainbow party, uma festa em que vários homens
vão ficar com as pi… pintadas de várias cores. Porque estou aqui nua com um estranho? Porque me sentirei tão só?» In
Francisco Salgueiro, O Fim da Inocência, Diário Secreto de Uma Adolescente
Portuguesa, Oficina do Livro, Lisboa, 2010, ISBN: 978 989 555 19 6.
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