«(…) Todos bradavam pela liberdade, impacientes pela busca de aventura.
O capitão e a tripulação alinhavam-se ao longo do convés, esperando, de joelho
curvado, o momento de se despedirem da sua preciosa passageira. Os seus brados
de ‘Deus vos abençoe’ acalentaram-na
e' com um sorriso, Joana virou-se para lhes agradecer. Eles deram vivas,
atirando os bonés ao ar. O navio fora ancorado no cais de Bergen-op-Zoom, tendo
sido aprontado um longo passadiço através do qual Fradique conduziu Joana até
ao passeio empedrado. Como era agradável pisar a solidez e a firmeza
reconfortante daquelas pedras, apesar de parecerem subir e descer, quais ondas
suaves. Os seus acompanhantes atarefavam-se a seu lado, enquanto o tio a
admirava. - Aqui estamos por fim, sãos e salvos, com solo firme debaixo dos pés
e vós tão bela. Infelizmente, eles não estão prontos para a recepção. Saberemos
o momento de avançar quando os nossos arautos, seguidos dos deles, tiverem
anunciado formalmente a vossa chegada. - Em Inglaterra for muito rápido. - Aqui
é muito diferente. Tem de ser feito com toda a formalidade, segundo as regras
do protocolo. - Não acrescentou que não compreendia o atraso e que estava
preocupado. - Gostastes da nossa estada lá?
[…]
- Vou contar-vos um segredo.
Quando ele se despediu para regressar a Londres, declarou: se Catarina, a irmã
mais nova desta querida senhora, tiver metade da sua beleza, do seu encanto, da
sua graça e da sua inteligência, então terei escolhido a melhor noiva para o
meu filho Artur. Joana abriu os olhos de espanto. - Não! Não me estais a dizer
que, afinal, ele não era o representante, mas o próprio rei Henrique! E ninguém
sabia? - Ninguém sabia. - Fradique riu-se baixinho, deliciado com a admiração
dela e levando um dedo aos lábios. - Ah, vejo alguma acção - Já não era sem
tempo.
Transportando as trompetas e os estandartes com o brasão, que ostentava
os castelos e os leões de Castela, os arautos haviam avançado para a frente do
grupo. Os soldados formavam duas magníficas fileiras vermelhas e prateadas e os
padres e cortesãos juntavam-se, prontos a colocarem-se segundo o respectivo
estatuto e posição.
Uma fanfarra, seguida de outra ao longe, assinalou o início da procissão.
Num passo lento e imponente, avançaram em direcção às portas da cidade. Enquanto
caminhavam, Joana agarrou a mão de Fradique, sussurrando-lhe: - Vedes Filipe
entre os que nos aguardam? - Não, Senhora, ainda não. - Oh, Fradique. - E apertou-lhe
a mão com mais força, - Esperai, esperai, tende um pouco mais de paciência –
insistiu ele, controlando também a sua crescente inquietação.
Um pouco mais à frente, o coração de Joana começou a bater
descompassadamente. Tentara tanto ser corajosa, indo buscar as forças
necessárias para aguentar a recepção até ao fim, mas as coisas não estavam a
correr conforme o planeado. Havia algo de errado. Tinha a certeza. Porque os
haviam feito esperar tanto antes de se dar início ao cortejo? E por que motivo
havia tão pouca gente reunida para a receber? A sua diminuta coragem
desaparecia rapidamente. Do seio de um comité de recepção bastante escasso,
destacou-se um grupo mais pequeno. Joana observou as quatro figuras,
consternada. Quatro pessoas: dois bispos, um padre qualquer e uma dama jovem. Não
havia mais ninguém! Ninguém mais se lhes juntou. Apenas aqueles quatro. Nada de
Filipe. Não se encontrava ali. Filipe não se encontrava ali! Joana cravou
os dedos no braço de Fradique. - Ma chère
Jeanne, nôtre soeur, sois bienvenue! - a jovem dama sorriu e estendeu
ambas as mãos para dispensar a Joana umas boas-vindas o mais calorosas
possíveis. Joana largou o braço do tio a fim de corresponder à saudação e
devolver o sorriso, num esforço débil e triste. As princesas beijaram as mãos
uma da outra. - Querida Joana, é tão bom ver-vos por fim, sã e salva após uma
viagem tão longa. Sede bem-vinda ao vosso novo lar. - Após um silêncio
constrangido, prosseguiu': - Sou Margarida e estou aqui para vos saudar em nome
do meu irmão Filipe, que se encontra ainda em Innsbruck com o meu pai. Creio
que as negociações não estão ainda terminadas, mas falaremos disso mais tarde,
tendes necessidade de descansar. Vamos levar-vos para uma casa belíssima não
muito longe daqui, que pertenceu ao meu avô. Gosto muito dela e tenho a certeza
de que também vos agradará e que achareis tudo a vosso contento.
Podereis descansar confortavelmente, enquanto os vossos pertences são
descarregados, e tereis tempo de recuperar da viagem. Estou ansiosa por saber
tudo de vós e da vossa família, em especial de João, o meu prometido. Quero
saber absolutamente tudo... Joana sabia que Margarida falava sem cessar numa
tentativa de esconder o seu profundo embaraço. Quanto a si própria, necessitou de
todas as suas forças para manter a dignidade e ocultar o quanto sofria. A
insultuosa falta de honrarias e, como se isso não fosse suficientemente
humilhante, a desconsideração pública por parte do seu futuro marido, que não
mostrara qualquer respeito pela sua chegada, era insuportável. Filipe sabia
da sua chegada! Devia estar presente para a receber! Pensou na sua carta,
em todas as suas palavras impacientes. Seriam
apenas mentiras? Porque não
estava ele presente? Porque se encontrava na companhia do pai? Onde estavam os nobres que deviam representá-lo? Ficou ali,
lutando corajosamente para controlar as lágrimas, de cabeça erguida, sorrindo e
cumprimentando, enquanto lhe apresentavam diversas pessoas. No seu âmago existia
apenas uma solidão avassaladora». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007,
Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes,
ISBN 978-972-23-4231-5.
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