sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria J. Violante Branco. «Senhor nós todos somos vossos e por vosso serviço faremos em este feito quanto vos podereis ver, em guisa que, com ajuda de Deus, vós ganharedes honrra para vós e para nós»

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A Longa Espera pelo Trono
Infância
«(…) Falando, na véspera do recontro, para os seus chefes militares que lhe  pediam ordens, tinha-se limitado a pedir-lhes que fizessem como estavam habituados a fazer quando seu pai os liderava, pois eles saberiam muito melhor que ele próprio como preparar e ordenar as hostes:

E de eu a vós outros, amigos, dizer como cada um há-de fazer, isto é a mim escusado, que vós tanto sabeis disto que o ouvestes já tão em uso com meu padre que eu não ei que dizer mais senão tanto que ponhais em vossos corações d’acrescentardes a lei de Deus porque batalhais […] e asim vindes por serviço de meu padre e por honra minha e vossa.

A adesão dos seus nobres é imediata:

Senhor nós todos somos vossos e por vosso serviço faremos em este feito quanto vos podereis ver, em guisa que, com ajuda de Deus, vós ganharedes honrra para vós e para nós.

Pouco importa se estamos a lidar com uma versão mais ou menos ficcional do acontecimento. Na verdade, neste caso os diálogos são reveladores de tensões que podemos identificar e comprovar documentalmente com elementos mais seguros que os transmitidos pela crónica quatrocentista. A necessidade de evidenciar as suas qualidades de guerreiro, de demonstrar como merecia o reino que deveria herdar à morte do pai, era decerto muito premente. Por isso o tamanho da sanha que na guerra queria demonstrar, da sede de afirmação que o pressionava e que viria a revelar na sua investida destemperada, no dia do recontro, ao entrar pelo meio das forças dos primeiros mouros que, bem dentro do território inimigo, defrontava de forma agónica, cheia de juvenil entusiasmo e reconhecidamente inconsciente no seu ímpeto, exactamente como convinha a qualquer guerreiro que se prezasse, como recomendavam todos os códigos de ética cavaleiresca. Exibindo de forma espalhafatosa o conveniente desprezo e desapego pela vida que deveria caracterizar qualquer eleito, mas de forma tão arriscada que obrigara, como vimos, todos os melhores dos seus nobres guerreiros a desfazerem a estratégia combinada na véspera para acorrerem em auxílio da ala comandada pelo infante, por medo de o perderem.
Mais um recurso retórico, utilizado pelo redactor da Crónica de 1419, sem dúvida, e mais uma vez com sabedoria, de forma a fazer-nos preocupar pela sorte do rei e de todos os seus homens, apenas para logo de seguida nos reassegurar do vigor e capacidade deste jovem guerreiro para a tarefa que se lhe impunha, e para nos anunciar o nascimento de um novo rei, cuja aptidão bélica era equivalente à do seu progenitor e que, afinal, embora parecesse estar em dificuldades, apenas estava a demonstrar a sua valentia, na audácia e desprendimento da vida que deveriam qualificar qualquer um nas suas condições. A virtude e justeza do futuro rei, desde então à frente dos exércitos régios, tornar-se-ia ainda mais evidente e seria ainda acrescentada quando o cronista aduz que, após derrotar e desbaratar os inimigos de forma brilhante e gloriosa, o jovem Sancho teria decidido deixar os espólios de guerra e o saque aos seus homens, sem sequer querer comparticipar deles. Para além de prodigioso guerreiro e temente a Deus, em cujas mãos confiava a sorte de luta que travava, Sancho revelava-se ainda desapegado dos bens materiais, generoso e magnânimo, senhor e exemplo de quase todas as qualidades que deviam ornar qualquer monarca que quisesse honrar a dignidade de que era investido.
Mas afinal, a que correspondia, na realidade, esta imagem de Sancho I, que o cronista do século XV nos quis transmitir tão dourada, solar e gloriosa, a imagem desse filho obediente e valoroso, ansioso por merecer ser o sucessor do seu pai e demonstrando à saciedade e competência que o assistia nessa ambição? Este homem, que, de acordo com a fonte que temos estado a seguir, acabava de superar a sua primeira prova de fogo com fulgor e brilhantismo, seria ele tão inexperiente e tão ingénuo como o narrador nos quer fazer crer? O que nos dizem os elementos constantes, por um lado, das narrativas mais próximas dos acontecimentos, e por outro, da documentação da época?» In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT