O Gharb
al-Andalus
«(…) De Lisboa enaltecem
as bondades da terra e do mar. Tem cinco portas: a porta ocidental com
arcos sobrepostos em colunas de mármore, a porta do Mar onde vêm rebentar
as vagas, a porta da Alfofa, a porta de Alfama ou da Fonte termal
e a porta do cemitério. Domina um vasto plaino atravessado por duas
ribeiras. As suas muralhas e a sua história apontam para uma cidade comercial,
piscatória e agrícola. E não lhe faltaram poetas como Ibn Mucana Alisbuni
Alcabdaque. De Santarém era originário o poeta Ibn Sara e também o autor
da antologia Daquira ou Tesouro, Ibn Bassam. O rei de Badajoz
Umar al-Mutawáquil foi antes senhor de Évora. Ficou famosa a sua
biblioteca e ainda o apoio dispensado a poetas como Ibn Abdun al-Iiebori,
autor de um longo poema sobre a queda dos impérios, em particular sobre a queda
dos abádidas de Sevilha e a
dos aftácidas de Badajoz. Alcácer
do Sal destacava-se na construção naval. O último alcaide da praça moura
lamentava-se num poema por os altos cargos caírem agora num inspector de
alfândegas e num limpador de esgotos.
Silves tinha um
estaleiro de construções navais alimentado pela madeira das suas montanhas.
Dispunha de uma muralha sólida, plantações e hortas. Os habitantes falavam um
árabe muito puro. Em Silves estudou Ibn Amar literatura sob a direcção
de vários mestres, entre outros do filólogo Hajaje Yusuf ibn Isa al-Alam,
e conviveu, poeticamente e não só, com o governador da cidade, Almuta-mide.
De Silves era natural o filósofo Ibn al-Sid.
No século XII, quando a
cidade estado de Lisboa caía sob domínio cristão, o movimento dos muridines dava lugar a novos
reinos de taifas em Silves, Mértola, Beja, Évora, Niebla, Huelva, Badajoz,
Tavira que acabariam dominados pelos almóadas.
No território português, os vestígios monumentais não podem comparar-se aos dos
grandes centros do Andaluz mas entremostram-se aqui e ali nas muralhas e no paço de Silves, nas
muralhas de Alcácer, Lisboa, Elvas, Jerumenha e noutras praças do sul do país.
Na porta de Almedina de Coimbra, na mesquita igreja de Mértola, na
basílica-mesquita-igreja de Idanha-a-Velha, na torre da igreja de Santa Maria
de Tavira, no mimbar da basílica-mesquita-igreja de Santana do Campo em
Arraiolos…
A Comunidade do Livro
O Islão é a comunidade do Livro sagrado, o Corão,
a primeira obra em prosa de língua árabe. O Livro veio directamente do céu
para o profeta Maomé através do anjo Gabriel. Nele está a fonte da
explicação do mundo e das normas de vida. Por isso, a principal tarefa teórica
dos crentes consiste em compreender o seu verdadeiro sentido. Para essa
compreensão e para melhor iluminar a acção diária, a Suna ou tradição regista estórias e pensamentos do profeta, transmitidos
e seleccionados pelos seus companheiros e pelos seus familiares. A consciência
religiosa do Islão centra-se
num facto transhistórico, as revelações de Deus a Maomé, mas o tempo não deixou
de assinalar a sua passagem. Desde logo, o texto corânico. Embora seja o
mais seguro entre os livros sagrados, foi ditado pelo profeta ao longo de vinte
e dois anos e a sua actual codificação remonta ao ano de 650 quando governava o terceiro califa Utman, companheiro do
profeta.
Nos primeiros tempos, o
que unia e impulsionava os guerreiros islâmicos eram os versículos corânicos e
os chamados cinco pilares do Islão. Não
há Deus senão Deus e Maomé o seu profeta. Esta profissão de fé ou pacto
entre a comunidade dos crentes (a umma) e Deus constitui o primeiro pilar
que identifica o crente e o introduz na comunidade. O segundo pilar é o
da oração pronunciada cinco vezes ao dia, sendo a mais importante a de sexta-feira.
Nos primeiros tempos, rezavam a céu aberto e porventura em templos cristãos
desactivados do seu culto. E não há notícia de mesquita edificada no Andalus
anterior à de Córdova, mandada erigir pelo primeiro emir Abderramão I no
local da antiga catedral visigótica. Os restantes pilares são a esmola
destinada aos pobres, o jejum no mês do Ramadão
e a peregrinação aos lugares santos, ao menos uma vez na vida. A estes pilares,
Maomé acrescentou um sexto, já no final da vida, o da guerra santa, pois Deus ama os que combatem pela sua causa».
In
António Borges Coelho, Tópicos para a
História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto
Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de I.Camões/JDACT