O rei João II em Carnide em 1483
«(…) O assunto da proposta de descobrimento por Colombo poderá ter sido
suficientemente importante para que João II tenha feito expressamente essa
deslocação de muito curta duração, pois não teria havido outra motivação para
então ir precisamente a Carnide. Conjugando todos estes dados podemos deduzir
estar bem fundamentada a possibilidade de ter ocorrido em Carnide em Junho de 1483 o encontro entre Colombo e João II
durante o qual o primeiro se propôs realizar uma viagem para ocidente visando
chegar a terras da Ásia, de que se haviam localizado alegados indícios no mar
que ali se encontravam. Terá, sido neste contexto que surgiu a oportunidade do
rei permitir que Colombo visse as canas de que já ouvira falar e se guardavam no
famoso santuário daquela povoação.
Sobre a negação do apoio de João II ao projecto de Colombo
El-rei porque via ser este
Christouã Colom homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades, e mais
fantástico e de imaginações com sua ilha Cipango, que certo no que dizia;
dava-lhe pouco crédito. Contudo à força de suas importunações mandou que
estivesse com Dom Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, e com mestre Rodrigo e mestre
Josope (= José), a quem ele cometia estas cousas da cosmografia e seus
descobrimentos; e todos houveram por vaidade as palavras de Christouam Colom,
por tudo ser fundado em imaginações e cousas da ilha Cipango de Marco Polo
(...). E com este desengano espedido ele del-rei se foi pêra Castela, onde
também andou ladrando este requerimento (...).
Esta informação de João de Barros sobre a negação do apoio ao projecto
de Colombo é a mais completa que possuímos sobre este assunto e permite-nos
sugerir a circunstância de o principal responsável para a negação de apoio a
Colombo ter sido Diogo Ortiz Vilhegas, também na altura referenciado por
licenciado Calçadilha visto ter nascido nessa povoação castelhana, já que o
genovês parece ter mantido boas relações com José Vizinho, pois a ele alude por
duas vezes nas suas notas relativamente ao ano de 1485. Diogo Ortiz viera para Portugal em 1475 como confessor de D. Joana, a Excelente Senhora, depois
de ter sido regente da cadeira de Astrologia na Universidade de Salamanca entre
1469
e 1475.
O desfecho do caso do pedido de apoio de Colombo a João II poderá ter-se
arrastado até 1484, pois o rei teria
querido aguardar pelo regresso de Diogo Cão, que acabou por chegar a Portugal
pouco antes de 8 de Abril de 1484, data
em que recebeu a generosa tença anual de 10 000 reais brancos, a que se seguiu
a 14 de Abril de l484 a concessão de
uma carta de brasão com as honras de fidalgo. Todas estas recompensas revelam o
regozijo do rei perante as notícias dos progressos então alcançados, tendo-o levado
à convicção de que as suas caravelas tinham estado próximo do extremo sul da África
e da almejada passagem para o oceano Índico. Esta atitude é revelada através da
oração de obediência de João II ao papa Inocêncio VIII que foi pronunciada a 11
de Dezembro de 1485 por Vasco Fernandes
Lucena, na qual se reflectem as expectativas abertas pela viagem de Diogo Cão, pois
nesse documento' então impresso em Roma, pode ler-se em tradução portuguesa
recente:
A tudo isto acresce, enfim, a
segura esperança de explorar o Golfo Arábico, onde os reinos e nações dos que
habitam a Asia, apenas de nós conhecidos por obscuríssima fama cultivaram com a
maior devoção a fé santíssima do Salvador, e em relação aos quais, se é verdade
o que ensinam os mais autorizados geógrafos, a navegação dos portugueses já
está a poucos dias de viagem. De facto, percorrido já na sua maior parte o
périplo de África, os nossos homens aportaram o ano passado perto do Promontório
Prasso, onde começa o Golfo Arábico; tendo esquadrinhado todos os rios, litorais
e portos numa distância de mais de 4500 milhas a contar de Lisboa, segundo a
mais rigorosa observação do mar, das terras e das estrelas. Uma vez explorada
esta região, já me parece que estou a ver quanto e quão grandes cúmulos de
fortuna, honra advirão para todo o povo cristão e especialmente para vós,
Santíssimo Padre, para os vossos sucessores e para esta Sé sacratíssima de
Pedro.
In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias
divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN
978-989-554-912-2.
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