Discurso de Aceitação do Prémio
Nobel
«Gostaria de aproveitar esta oportunidade para felicitar o meu compatriota
e colega laureado, o presidente Frederik W. De Klerk, pela sua reacção à grande
honra que me é dada. Vimos aqui juntar-nos a dois eminentes sul-africanos, o chefe
Albert Luthuli e o arcebispo Desmond Tutu, aos quais haveis
prestado uma homenagem plenamente merecida pela sua colaboração frutuosa na
luta pacífica contra o regime maléfico do apartheid atribuindo-lhes o Prémio Nobel da Paz. Não creio que seja
presunção da nossa parte acrescentar, de entre os nossos predecessores, o nome
de outro excepcional laureado com o Prémio
Nobel da Paz, o reverendo Martin Luther King Jr. Também ele lutou e morreu
na busca de uma solução justa para os mesmos grandes problemas que nós tivemos
de enfrentar na África do Sul. Refiro-me ao desafio que resulta das dicotomias
entre guerra e paz, violência e não-violência, racismo e dignidade humana, opressão e liberdade, repressão e direitos humanos, pobreza e liberdade de acção. Estou
aqui como representante dos milhões de pessoas que ousaram insurgir-se contra
um sistema social que tem na sua essência a guerra, a violência, o racismo, a
opressão, a repressão e o empobrecimento de uma população inteira. Estou também
em representação dos milhões de pessoas do movimento antiapartheid espalhadas
pelo mundo inteiro, dos governos e organizações que se juntaram a nós, não para
combater a África do Sul enquanto país, mas sim para se opor a um sistema
desumano, e pôr rapidamente cobro ao crime contra a humanidade perpetrado pelo apartheid.
Estes incontáveis seres humanos, da África do Sul ou não, tiveram a
nobreza de espírito de barrar o caminho à tirania e à injustiça sem tentarem
tirar disso o mínimo proveito pessoal. A ferida de um indivíduo é de todos, e
por isso eles agiram em coerência na defesa da justiça e do elementar respeito
humano.
Graças à sua coragem e determinação ao longo de muitos anos, podemos
mesmo, hoje, prever o dia em que a humanidade inteira se reunirá para festejar
uma das mais memoráveis vitórias humanas do nosso século. Quando esse dia
chegar, congratular-nos-emos, todos juntos, com a nossa vitória comum sobre o
racismo, o apartheid e a supremacia da minoria branca. Esse triunfo
encerrará finalmente quinhentos anos de colonização africana que remonta à
instauração do império português. Marcará assim um grande passo em frente na
História e ilustrará a determinação comum dos povos no combate ao racismo, seja
ele qual for e onde for. No extremo austral do continente africano, aqueles que
sofreram em nome da humanidade inteira, tudo sacrificando pela liberdade, pela
paz, pela dignidade humana e pelo progresso humano, estão prestes a receber uma
recompensa incomparável, um presente inestimável. Esta recompensa não se mede
em dinheiro. Nem será avaliada em função do preço dos metais raros e das pedras
preciosas desta terra africana que nós pisamos na esteira dos nossos
antepassados. Será e deverá ser avaliada em função da felicidade e do bem-estar
das crianças, ao mesmo tempo as mais vulneráveis de qualquer sociedade e o mais
precioso dos nossos tesouros. E preciso que as crianças possam finalmente
brincar ao ar livre na estepe, sem mais serem torturadas pela fome, dizimadas
pela doença e ameaçadas por esses flagelos que são a ignorância, a brutalidade
e todas as formas de abuso, ou obrigadas a envolver-se em actos cuja gravidade
ultrapassa a sua compreensão. Perante esta distinta assistência, comprometemos
a nova África do Sul a prosseguir sem desfalecimentos as resoluções definidas
na Declaração
mundial sobre a sobrevivência, a protecção e o desenvolvimento das crianças (NOTA: Declaração
dos Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das
Nações unidas no dia 20 de Novembro de 1959, que estabelece dez direitos
fundamentais, entre os quais os que Nelson Mandela mencionou). Esta
recompensa será também, e deverá ser, avaliada em função da felicidade e do
bem-estar das mães e dos pais dessas crianças, que devem poder viver nesta
terra sem medo de serem espoliados por razões políticas ou materiais,
injuriados porque reduzidos à mendicidade.
Também eles devem ser aliviados do fardo pesado que é o desespero,
provocado pela fome, pela privação e pelo desemprego. O valor desta recompensa
para todos os oprimidos será medido, e deverá sê-lo, em função da felicidade e
do bem-estar de todas as pessoas do nosso país que tiverem derrubado os muros
desumanos que as dividem. Estas grandes massas terão virado as costas ao
insulto grave dirigido à dignidade humana, que pretendia designar uns como
senhores e outros como servos, e que tinha como resultado fazer de cada indivíduo
um predador cuja sobrevivência dependia da destruição do outro. O valor da
recompensa que todos vamos partilhar será avaliado, e deverá sê-lo, em função
da paz jubilosa que triunfará, porque a humanidade, que junta negros e brancos
em uma só e a mesma raça, quer que cada um de nós possa daqui para o futuro
viver como um filho do paraíso. Assim viveremos, porque teremos criado uma
sociedade em que todos nascemos iguais e todos teremos direito a uma parcela
justa de vida, de liberdade, de prosperidade, de dignidade humana e de bom
governo. Uma tal sociedade nunca deverá tolerar que haja presos políticos, nem
que sejam violados os direitos humanos de qualquer pessoa. Assim como nunca
deverá acontecer que os caminhos que conduzem a uma mudança pacífica sejam de
novo entravados por usurpadores que procuram privar o povo de todo e qualquer
poder para atingirem os seus próprios e ignóbeis objectivos […]»In
Jack Lang, Leçon de vie pour l’avenir, Perrin 2004, Nelson Mandela, Uma Lição
de Vida, Editorial Bizâncio, Lisboa, 2005, ISBN 978-972-53-0275-0.
O meu singelo contributo. Obrigado MADIBA
Cortesia de Bizâncio/JDACT