sábado, 14 de dezembro de 2013

Nelson Mandela. Uma Lição de Vida. Jack Lang. «Estes incontáveis seres humanos, da África do Sul ou não, tiveram a nobreza de espírito de barrar o caminho à tirania e à injustiça sem tentarem tirar disso o mínimo proveito pessoal. A ferida de um indivíduo é de todos, e por isso eles agiram em coerência na defesa da justiça e do elementar respeito humano»

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Discurso de Aceitação do Prémio Nobel
«Gostaria de aproveitar esta oportunidade para felicitar o meu compatriota e colega laureado, o presidente Frederik W. De Klerk, pela sua reacção à grande honra que me é dada. Vimos aqui juntar-nos a dois eminentes sul-africanos, o chefe Albert Luthuli e o arcebispo Desmond Tutu, aos quais haveis prestado uma homenagem plenamente merecida pela sua colaboração frutuosa na luta pacífica contra o regime maléfico do apartheid atribuindo-lhes o Prémio Nobel da Paz. Não creio que seja presunção da nossa parte acrescentar, de entre os nossos predecessores, o nome de outro excepcional laureado com o Prémio Nobel da Paz, o reverendo Martin Luther King Jr. Também ele lutou e morreu na busca de uma solução justa para os mesmos grandes problemas que nós tivemos de enfrentar na África do Sul. Refiro-me ao desafio que resulta das dicotomias entre guerra e paz, violência e não-violência, racismo e dignidade humana, opressão e liberdade, repressão e direitos humanos, pobreza e liberdade de acção. Estou aqui como representante dos milhões de pessoas que ousaram insurgir-se contra um sistema social que tem na sua essência a guerra, a violência, o racismo, a opressão, a repressão e o empobrecimento de uma população inteira. Estou também em representação dos milhões de pessoas do movimento antiapartheid espalhadas pelo mundo inteiro, dos governos e organizações que se juntaram a nós, não para combater a África do Sul enquanto país, mas sim para se opor a um sistema desumano, e pôr rapidamente cobro ao crime contra a humanidade perpetrado pelo apartheid.
Estes incontáveis seres humanos, da África do Sul ou não, tiveram a nobreza de espírito de barrar o caminho à tirania e à injustiça sem tentarem tirar disso o mínimo proveito pessoal. A ferida de um indivíduo é de todos, e por isso eles agiram em coerência na defesa da justiça e do elementar respeito humano.
Graças à sua coragem e determinação ao longo de muitos anos, podemos mesmo, hoje, prever o dia em que a humanidade inteira se reunirá para festejar uma das mais memoráveis vitórias humanas do nosso século. Quando esse dia chegar, congratular-nos-emos, todos juntos, com a nossa vitória comum sobre o racismo, o apartheid e a supremacia da minoria branca. Esse triunfo encerrará finalmente quinhentos anos de colonização africana que remonta à instauração do império português. Marcará assim um grande passo em frente na História e ilustrará a determinação comum dos povos no combate ao racismo, seja ele qual for e onde for. No extremo austral do continente africano, aqueles que sofreram em nome da humanidade inteira, tudo sacrificando pela liberdade, pela paz, pela dignidade humana e pelo progresso humano, estão prestes a receber uma recompensa incomparável, um presente inestimável. Esta recompensa não se mede em dinheiro. Nem será avaliada em função do preço dos metais raros e das pedras preciosas desta terra africana que nós pisamos na esteira dos nossos antepassados. Será e deverá ser avaliada em função da felicidade e do bem-estar das crianças, ao mesmo tempo as mais vulneráveis de qualquer sociedade e o mais precioso dos nossos tesouros. E preciso que as crianças possam finalmente brincar ao ar livre na estepe, sem mais serem torturadas pela fome, dizimadas pela doença e ameaçadas por esses flagelos que são a ignorância, a brutalidade e todas as formas de abuso, ou obrigadas a envolver-se em actos cuja gravidade ultrapassa a sua compreensão. Perante esta distinta assistência, comprometemos a nova África do Sul a prosseguir sem desfalecimentos as resoluções definidas na Declaração mundial sobre a sobrevivência, a protecção e o desenvolvimento das crianças (NOTA: Declaração dos Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações unidas no dia 20 de Novembro de 1959, que estabelece dez direitos fundamentais, entre os quais os que Nelson Mandela mencionou). Esta recompensa será também, e deverá ser, avaliada em função da felicidade e do bem-estar das mães e dos pais dessas crianças, que devem poder viver nesta terra sem medo de serem espoliados por razões políticas ou materiais, injuriados porque reduzidos à mendicidade.

Também eles devem ser aliviados do fardo pesado que é o desespero, provocado pela fome, pela privação e pelo desemprego. O valor desta recompensa para todos os oprimidos será medido, e deverá sê-lo, em função da felicidade e do bem-estar de todas as pessoas do nosso país que tiverem derrubado os muros desumanos que as dividem. Estas grandes massas terão virado as costas ao insulto grave dirigido à dignidade humana, que pretendia designar uns como senhores e outros como servos, e que tinha como resultado fazer de cada indivíduo um predador cuja sobrevivência dependia da destruição do outro. O valor da recompensa que todos vamos partilhar será avaliado, e deverá sê-lo, em função da paz jubilosa que triunfará, porque a humanidade, que junta negros e brancos em uma só e a mesma raça, quer que cada um de nós possa daqui para o futuro viver como um filho do paraíso. Assim viveremos, porque teremos criado uma sociedade em que todos nascemos iguais e todos teremos direito a uma parcela justa de vida, de liberdade, de prosperidade, de dignidade humana e de bom governo. Uma tal sociedade nunca deverá tolerar que haja presos políticos, nem que sejam violados os direitos humanos de qualquer pessoa. Assim como nunca deverá acontecer que os caminhos que conduzem a uma mudança pacífica sejam de novo entravados por usurpadores que procuram privar o povo de todo e qualquer poder para atingirem os seus próprios e ignóbeis objectivos […]»In Jack Lang, Leçon de vie pour l’avenir, Perrin 2004, Nelson Mandela, Uma Lição de Vida, Editorial Bizâncio, Lisboa, 2005, ISBN 978-972-53-0275-0.

O meu singelo contributo. Obrigado MADIBA
Cortesia de Bizâncio/JDACT