Educação
«(…) Joaquim Ferreira Gomes, ao publicar Martinho de Mendonça e a sua obra
pedagógica veiculou a informação fornecida por um autor do século XVIII.
Começou por distinguir dois tipos de educação: a dos clérigos e a dos cavaleiros,
para depois esclarecer que, a partir da Baixa Idade Média, este último tipo
começara a aparecer condensado nos Tratados para a Educação de Príncipes,
cuja primeira forma se ficou a dever a S. Martinho de Dume, autor que no século
VI apresentou os primeiros tratados para este fim. Na Baixa Idade Média os manuais
que mais influência vieram a exercer foram: De Regimine Principum de S.
Tomás, escrito para a educação do rei de Chipre e um outro com o mesmo útulo, mas
escrito por Egídio Romano para a educação de Filipe o Belo. Em Portugal só a partir de João I aparecem notícias testemunhando
que estas obras se encontravam na Livraria Real. O Leal Conselheiro
refere-se-lhes e é provável que a Virtuosa Benfeitoria nelas se tenha
inspirado. Entretanto outras obras pedagógicas se difundiram pela Europa e
chegaram a Portugal. Foi o caso de De ingenuis moribus et Liberalibus studiis
adolescentiae escrito por Pier Paolo Vergério especificamente para
educar Hubertino de Carrara, dos Senhorei de Pádua. Esta obra, eventualmente
traduzida por Vasco Fernandes Lucena, por encomenda de Pedro, teria servido
de base à educação de Afonso V. E importante notar esta escolha do Regente, já
que se tratava de uma obra recentemente escrita. Isso diz-nos da sua
actualização e da sua comunhão com os novos valores culturais, já que Paolo
Vergerio … estuvo en Bolonia y
Florencia, además de Pádua, Roma, Constanza (...). Aprendió griego de las lecciones
florentinas de Crisoloras, pero de los sabios florentinos aprendió, sobre todo,
el nuevo rumbo de la cultura. Sus ideas sobre los estudios son las de los
grandes cancilleres de la República, de Coluccio Salutati y de Leonardo Bruni.
El las estructura, las ordena y expone en un pequeño tratado, De
ingenuis moribus et liberalibus adolescentiae studiis, escrito a principios, del
1400 (...) Domina en ella una profunda confianza
en la cultura. Podemos, pois, afirmar que o Regente escolheu, para
educar Afonso V, a linha humanista que, a partir de Itália, se viria a difundir
posteriormente pela Europa e na qual Vergerio,
como todos los primeros humanistas, une indisolublemente la cultura a la vida ciudadana,
y quiere formar al príncipe, al capitán y, en general, al ombre político.
Infelizmente perdeu-se a tradução portúguesa da obra, restando dela apenas o
prólogo que, juntamente com a mesma parte da outra obra de Lucena, Tratado
das virtudes que ao rei pertencem, se encontra publicado por J.M. Piel
no Livro
dos Oftcios.
Pondo em realce a importância da influência de mestres italianos na formação
intelectual de Afonso V, Carolina Michaelis de Vasconcelos escreveu que Mateus
Pisano servia de mestre a Afonso V, já
preparado por certo Estevam de Nápoles. A este propósito escrevia
Manuel Gonçalves Cerejeira que
Portugal começava a pôr-se na escola do humanismo, vê-se pelos mestres
italianos mandados vir para o reino. De Mateus Pisano, a quem Zurara chama poeta laureado, e hum dos suficientes
filósofos, e Oradores que em seus dias concorreram na cristandade,
sabe-se, por testemunho deste cronista seu amigo, que foi mestre de Afonso V.
Recentemente Luís de Matos publicou, baseando-se exclusivamente em fontes
quatrocentistas e quinhentistas, um elenco dos professores dos príncipes e
infantes. Quanto à sua selecção diz o autor: o que pode afirmar-se é que o critério seguido na contratação dos
mestres dos príncipes e infantes, quer sejam estrangeiros, quer portugueses,
foi o da competência. Como mestres de Afonso V refere, além de Estevão
de Nápoles e Mateus Pisano, frei Gil de Tavira.
Do que fica dito podemos, portanto, afirmar que Pedro, ao
escolher ou aconselhar estes mestres para o jovem rei, teve como critério de selecção
a sua abertura ao ideal humanista. Certamente por isso se explica que tenha
insistido em professores italianos. Que o trabalho dos mestres deu frutos fala
a posterior actuação de Afonso V na protecção à Universidade, concretizada, por
exemplo, através do aumento das suas rendas e do próprio ordenado dos professores
ou ainda a frequente atribuição de bolsas de estudo que permitia aos joveng
estudantes deslocarem-se para o estrangeiro, concretamente para Itália, em
busca do contacto com essas novas correntes de pensamento. E com tanta prodigalidade
distribuiu o rei estas bolsas que o povo delas se queixou, primeiro ao próprio
rei e, depois da sua morte, nas cortes de 1481 - 82 a seu filho. O convite de
Afonso V a Justo Baldino para vir para Portugal é mais um testemunho do apreço
que o rei africano dispensava à nova corrente cultural veiculada pelos mestres
italianos. A isenção dos pagamentos de dízima e posteriormente de sisa
eventualmente aplicável aos livros importados foram igualmente sintomas do valor
que o rei atribuia à cultura. Todos estes indícios, aliados à própria formação
dos cortesãos que de mais perto rodearam o monarca, testemunham a existência dè
uma corte onde se prezava o valor intelectual. Deste modo se compreende que o príncipe João tivesse respirado, ao nascer,
esse ambiente. Depois foram as suas próprias exigências, combinadas com os
ensinamentos dos seus Mestres, que lhe abriram a senda mais vasta do humanismo
político». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas
Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial
Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.
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