Arquitectura e festas
«(…) A impressão que Sevilha
produzia nos seus visitantes devia-se, em grande parte, ao frenesim de
construção que se apoderou da metrópole. Os equipamentos civis (Câmara
Municipal, Palácio da Justiça), económicos (Casa da Contratação, Lonja,
Alfândega, Palácio da Moeda), religiosos (Catedral, igrejas e conventos),
de ensino (colégios universitários, escolas da Companhia de Jesus), de
assistência (hospitais), privados (casas e palácios) e de
divertimento (corrales de teatro) exigiram a construção de uma nova cidade
que se sobrepôs ao património medieval, como simbolicamente o pináculo renascentista
da Giralda se sobrepôs ao
grande minarete herdado dos Almóadas. A história de Sevilha foi, de
certa maneira, a história do nascimento de uma cidade, cujos alicerces
mergulhavam no passado romano e muçulmano. Os Sevilhanos inventaram ainda os
seus modos próprios de expressão colectiva. Claro que os conquistadores
castelhanos trouxeram com eles modelos culturais já elaborados e bem afirmados,
mas aqui, no crisol de uma estrutura social particular e sob o calor de novas
influências culturais, transformaram-se num produto dotado de traços
singulares, características específicas que se cristalizaram numa evidente
originalidade. Não tardou a haver em Sevilha uma maneira especial de viver a Paixão
de Cristo nas ruas, de celebrar com um ardor singular a Festa do Corpo
de Deus, de exprimir, de uma maneira ao mesmo tempo subversiva e respeitosa
das normas, o desejo reprimido de transformação social, de escrever a sua
própria história religiosa, celebrando santos particulares, de expandir a sua
alegria através de fórmulas originais. Houve talvez uma maneira sevilhana de exprimir
a angústia do pecado ou de praticar a caridade, de sentir a morte ou de viver o
amor, numa cidade caracterizada pela veemência dos seus pecadores arrependidos,
que se redimem ao serviço dos pobres, ou pela audácia dos seus sedutores, que
desafiam a morte e os próprios avisos do Além.
Um fervilhar cultural
A alma de Sevilha penetrou nos escritores e artistas de todo o género
que, ao longo do século XVI, ilustraram a cidade com o seu talento. Assistiu-se
ao florescimento de uma plêiade de humanistas, e eruditos, entre os quais poderemos
citar os nomes de Benito Arias Montano, Gonzalo Argote Molina, Alonso
Morgado, Pedro Mexía, Luis Peraza, Sebastián Fox Morcillo ou Juan Mal-Lara.
Ao lado destes, trabalharam cientistas: médicos, como Bartolomé Hidalgo Agüero,
Simón Tovar ou Nicolás Monardes, economistas, como o dominicano Tomás
Mercado, ou cosmógrafos, como Pedro Medina ou Martín Cortés. Muitos
destes constituíram bibliotecas consideráveis, como a de Hernando Colón
(o filho do Almirante), que ascendia a vinte mil volumes. Muitos publicaram as
suas obras na nascente tipografia sevilhana, que se dinamizou muito depressa e
que era representada pelo alemão Jacobo Cromberger, primeiro editor de Erasmo
na cidade, mas também por sábios, que se fizeram impressores, como Monardes.
Esta dinâmica tipografia sevilhana serviu de modelo à americana, a qual recebeu
os seus primeiros equipamentos, enviados de Sevilha, em 1539. A propósito, recorde-se que a primeira farmácia do Novo Mundo também partiu de Sevilha
em 1514. Muitos destes homens frequentaram
também os cenáculos que animaram o debate sevilhano, como a academia fundada
pelo conde de Gelves na sua casa de Sevilha, e que reunia o dramaturgo Juan
de la Cueva (criador, com Lope de
Rueda, do teatro sevilhano), o erudito Gonzalo Argote Molina, o cónego Francisco
Pacheco, o humanista Juan Mal-Lara (fundador, por sua vez, de uma
escola de Gramática e de Humanidades)
e o poeta Fernando Herrera.
A poesia encontrou também terreno fértil, com uma primeira escola poética,
fundada pelo aprazível Gutierre Cetina, o divino Fernando Herrera e o jocoso e popular Baltasar
del Alcázar. Poetas do Renascimento, serão substituídos por uma nova geração
que fará a transição para o estilo barroco e cuja carreira literária decorrerá
no século seguinte: será o caso, entre outros, dos ilustres Francisco Rioja,
Juan Arguijo e Rodrigo Caro. Sevilha
foi o foco ideal de expansão das arres plásticas, cuja verdadeira idade de ouro
começou no século XVI e se prolongou até aos últimos clarões do barroco. A
febre de construção que se apoderou da cidade exigiu o concurso de importantes
arquitectos, que vão de Diego Riaño (a sacristia dos Cálices) a Juan
Herrera (a Casa Lonja) passando por Martín Gaínza (a sacristia
principal) e Hernán Ruiz II (a Giralda). Os edifícios exigiam uma
obra escultórica digna da sua sumptuosidade, a qual foi executada por mestres
notáveis, italianos primeiro (Domenico Fancelli, Pietro Torrigiano), espanhóis
depois (Juan Bautista Vázquez, Jerónimo Hernandez, precursores do genial
Juan Martínez Montañés, o grande escultor sevilhano da época barroca).
A pintura não foi menos brilhante: a obra-prima gótica de Alejo Fernández
(A
Virgem dos Navegadores, símbolo da nova Sevilha marítima e americana)
abre caminho à Renascença nórdica de Pedro Campaña e Hernando
Esturmio e à influência da Renascença italiana em pintores, como Luis
Vargas, Pedro Villegas ou Alonso Vázquez, antes de uma última geração (Francisco
Pacheco, Francisco Herrera, Juan las Roelas) preparar a transição para o
esplendor da escola sevilhana do barroco, com Velázquez, Zurbarân e Murillo». In Sevilha, Século XVI, De
Colombo a D. Quixote, Entre a Europa e as Américas., O coração e as riquezas do
Mundo, coordenação de Carlos Araújo, Carlos Martínez Shaw, Terramar, Lisboa,
1993, ISBN 712-710-073-2.
Cortesia de Terramar/JDACT