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das Festas de Casamento de Afonso VI
«(…) Mas naquele princípio de Verão de 1666 preparava-se esse evento que viria a ser considerado o mayor triumpho, que pôde ser que o
mundo haja visto. Não só pelos arcos que davam passagem de umas ruas para
as outras, desde Alcântara até à Sé, mas também pelas danças, pelas, folias que o Senado tinha
contratado para animarem as ruas e mostrarem aos reis como a cidade os amava;
ou pelas casas que, ornadas com as mais caras tapeçarias, pareciam querer dizer
o mesmo.
«Lutos rompendo vem, rindo
formoza a Luza aurora, a nós dando em fiansa doutro mais bello sol, rica
esperança»
Dois de Agosto de 1666. A
manhã estava soalheira e as águas do Tejo brilhavam. Por fim, a capitânia
francesa que trazia de terras de França a já rainha de Portugal, podia dar
entrada no porto da cidade de Lisboa. Aguardara uns dias na barra de Cascais,
esperando que os ventos fossem favoráveis à entrada, não fossem os barcos
encalhar em alguns escolhos, logo em semelhante ocasião. Um mês antes, em La
Rochelle, tinham decorrido as formalidades, com todas as cerimónias que
se costumavam fazer nas entradas dos reis de França, recepções e, finalmente,
o casamento por procuração, em que o marquês de Sande representara o rei de
Portugal e o duque de Laon a princesa d'Aumale. A rainha devia estar cansada. A
viagem tinha sido longa, e muito acontecera desde a sua partida de Paris até
atracar na parte mais ocidental da Europa. Um certo receio a acompanhara,
durante o mês que estivera no mar. Os tempos não eram de paz, e mesmo a carta
de seguro que o Rei Cristianíssimo obtivera de Carlos II de Inglaterra
não garantia completamente a sua protecção em relação aos ataques dos corsários
de Sua Majestade Britânica. Para já não falar nos piratas por conta própria. Em
qualquer caso, os navios que Luís XIV enviara eram dos melhores da armada
francesa, o que provava que o rei queria que Maria Francisca chegasse
com toda a segurança às terras portuguesas. Não
fora ele, afinal, um dos que tinham acarinhado tal união? Para Luís XIV
o casamento era um meio de prolongar a
guerra entre Portugal e Espanha o que, evidentemente, favorecia os
interesses franceses. Para esse rei havia que tornar a guerra contra Castela
cada vez mais violentas, o que explicava alguns dos esforços que a coroa francesa
fazia no sentido de ajudar a causa dos Braganças. António Sousa Macedo,
secretário de Estado entre 1662 e 1667, já o adivinhara nos
anos cinquenta desse século.
O português dissera, na altura, que à França interessava que Castela
estivesse dividida com Portugal, pois assim não só não se lhe opunha, como ainda
favorecia as suas tentativas de conquistar territórios que estavam sob tutela
castelhana. Também Duarte Ribeiro Macedo, ministro português na corte francesa,
estava ciente dos mesmos interesses diplomáticos. Os interesses de França eram incompatíveis
com os de Castela, e mesmo o tratado dos Pirenéus não mudara muito o
cenário, apesar de por ele se ter concluído o casamento entre Maria
Teresa de Áustria, filha de Filipe IV e Luís XIV monarca francês, e uma
aparente paz entre ambos os países. A dita paz estava próxima da ruptura em 1665, segundo Ribeiro Macedo, já que as
intenções de França em submeter Castela eram cada vez mais evidentes. Tal
tensão entre ambos os reinos, que lutavam pela hegemonia na cena europeia,
favorecia a causa portuguesa. Dava, também, uma certa razão a Sousa Macedo que,
uma década antes, aconselhara Portugal a gerir a situação de determinada
maneira no que dizia respeito à França: fazendo guerra contra Castela (de
modo a activar as esperanças francesas) ou mostrando que caminhava para a
paz (criando-lhe um certo temor), como parecia acontecer com as
negociações que se travavam com Castela nas quais a Inglaterra era intermediária.
Porém, a bondosa Inglaterra assegurava
aos castelhanos, em segredo, que mais tarde ou mais cedo lhes entregaria a
cidade de Lisboa, o que contrariava as pretensões da terra lusa. Desta
forma ambígua pareciam harmonizar-se os vários interesses políticos em questão».
In
Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez, Festas que se
fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal Editores, Lisboa, 1996, ISBN
972-564-268-6.
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