quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Algumas notas sobre Marx e a História. António Borges Coelho. «Li-o em voz alta aos meus amigos, quase como quem lê um poema. E envolvi-me durante anos intensamente na luta pela liberdade e pela construção da nova sociedade que Marx preconizava»

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Para as Excelências... (pardas)
«Toda a vida social é essencialmente prática. É na prática que o homem tem de fazer prova da verdade, isto é da realidade e do poder do seu pensamento, a prova de que ele é deste mundo, mundo material / mental que importa transformar. Marx não está só quando intervém com a teoria na prática social. Desde sempre, mesmo quando o negam, filósofos e teólogos, como Santo Agostinho ou os teólogos da Contra Reforma, teorizaram e intervieram procurando garantir a obediência da sociedade terrestre. Só que para eles a prática social não intervinha na prova da verdade, muito menos da verdade absoluta. Esta fora revelada e estava primeiro. A ela tinham que se inclinar todas as outras verdades. No início da Época Moderna, a s navegações ligaram duradoiramente os continentes e as civilizações. Nessa aventura planetária os pilotos e os cartógrafos tiveram um papel determinante. Provaram pela sua prática que a Terra não era plana mas redonda e que Jerusalém, afinal, não ocupava o centro da Terra. O centro ficava numa linha imaginária da esfera do mundo, a linha equinocial. A Astronomia, a Física, a Química, a Economia Política, a Biologia romperam o primado do crer para entender e, na prova das suas teorias, construíram o método científico que submetia a observação e a hipótese à prova experimental.
Filho da Revolução Francesa e das Revoluções Europeias dos meados do século XIX, Marx marcou profundamente a teoria e a prática no campo das Ciências Sociais e Humanas, particularmente no da Economia Política, no da Filosofia da História, na Filosofia, na Sociologia, na Política. O devir, a mudança alteram, transformam continuamente as teorias e as estruturas mentais, sociais e políticas. Pela própria natureza das coisas, as ciências são afectadas pela História e deixam o rasto da sua própria caminhada. Só há uma ciência, a da História. As ideias de Marx não surgiram em bloco nem ficaram escritas para sempre no mármore. Isso está reservado somente à palavra divina. Ou noutras palavras, o para sempre significaria que o pensamento humano atingira o seu limite e também que as sociedades poderiam estar prestes a chegar à sua última definição. Na infância recebi como prémio escolar as Confissões de Santo Agostinho, e ao longo da vida, li e reli como pude filósofos, discuti com alunos os Pré-Socráticos e Platão, estudei apaixonadamente Leibniz e Espinosa. Mas a Marx devo o trazer-me do céu para a terra, trazer-me para o meio dos homens na sua actividade real e envolver-me no ideal de construir na terra um pouco mais de céu. Expulso, ainda infante, do paraíso, caiu-me, nas mãos de adolescente, o Manifesto do Partido Comunista em tradução espanhola. Li-o em voz alta aos meus amigos, quase como quem lê um poema, lá nas altas fragas do meu pobre Trás-os-Montes. E envolvi-me durante anos intensamente na luta pela liberdade e pela construção da nova sociedade que Marx preconizava. Durante esse tempo as suas ideias chegavam-nos em textos de segunda mão. Não havia edições. Em primeira mão, que eu saiba, só o texto copiografado Trabalho Assalariado e Capital. Na segunda metade da década de sessenta é que apareceram impressas, em edições francesas, a Crítica da Economia Política, A Ideologia Alemã, O Capital, As Lutas de Classes em França, A Guerra Civil em França, a Correspondência. Nos últimos anos, em Portugal, destaco as traduções do Manifesto do Partido Comunista por Magalhães Vilhena e de O Capital por José Barata Moura e Francisco Melo.
As ideias de Marx criaram um novo patamar na abordagem das ciências do homem e estão hoje na consciência colectiva, mesmo na daqueles que se persignam quando ouvem o nome do filósofo. E trouxe a teoria para a praça pública, escreveu para todos dirigindo-se especialmente à gente de baixo anunciando-lhes a alegria de subir à montanha da sabedoria. Muita água correu depois nos rios da História. Em O Capital traçou um fresco impressionante das transformações económicas e sociais operadas ao longo dos dois últimos milénios e deteve-se com particular profundidade na análise das estruturas, das leis e movimentos da sociedade capitalista do século XIX. A sua teoria do valor está hoje na ordem do dia. Políticos e gestores prolongam a jornada de trabalho, criam bancos de horas, aumentam assustadoramente o exército dos desempregados e sub-empregados, baixam os salários para níveis de miséria. Afinal reconhecem que é o trabalho social que cria o valor e intentam reter para si o máximo da mais-valia. Esta guerra conduzida pelo capital, exacerbada pelo capital financeiro ou, na linguagem mediática, pelos mercados, evidencia, por outro lado, a validade operatória do conceito de luta de classes». In António Borges Coelho, Algumas Notas sobre Marx e a História, Wordpress, Marx em Maio, 2012.

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