A exploração marítima registará
então um esplendor jamais atingido…
Cem anos gloriosos
Um século de navegações e de descobertas. Cronologia da expansão
portuguesa
«(…) Após nova pausa, as viagens de descobrimento prosseguem, durante o
decénio de 1450-1460. Dois italianos ao serviço do Infante, Ca' da
Mosto (Cadamosto) e Uso di Mare (Usodimare), assim como o português Diogo
Gomes, exploram os estuários e as ilhas daquilo a que se chamava os Rios
da Guiné, na Guiné-Bissau dos nossos dias. Por fim, em 1460, Pedro Sintra descobre a Serra Leoa. Foi esse, digam o
que disserem, o ponto extremo atingido até à morte do Infante (1460).
Da Serra Leoa até às imediações do Cabo (1460-1486)
O desaparecimento do Infante implicou uma interrupção de alguns anos. O
rei Afonso V, que reinava desde 1438,
interessava-se mais pelo Marrocos do que pela Guiné. Alcácer Ceguer havia sido conquistada
em 1458. Em 1471, foi a tomada de Arzila, em breve seguida pela ocupação
de Tânger e Larache. E por causa do Marrocos é que Afonso V ficou
com o cognome de Africano. Mas a
outra África, a Negra, estave muito
atrás do Magrebe, na ordem das suas preocupações. Entregara a
responsabilidade das navegações a seu irmão, o infante Fernandor governador da
Ordem de Cristo e mestre de Santiago. Tendo autoridade sobre todas as ilhas e
terras descobertas, o infante Fernando era então o verdadeiro sucessor do
infante Henrique. Contudo, não se interessava pela Guiné em maior grau que o
seu irmão. Assim, a coroa portuguesa descarregou sobre os ombros de
particulares a responsabilidade directa da exploração da costa de África, para
lá da Serra Leoa. Através de um contrato assinado em Novembro de 1469, o rei concedia e um certo Fernão
Gomes, rico mercador de Lisboa, o direito de navegar e de comerciar nessa região,
ficando o mesmo Fernão Gomes com o encargo de descobrir cem léguas de costa por
ano (cerca de seiscentos quilómetros), durante cinco anos, e de pagar ao
rei uma renda anual de 200 000 reais. Posteriormente, o prazo foi prolongado
para seis anos.
Fernão Gomes cumpriu os seus compromissos. Confiou o comando dos
seus navios e marinheiros experimentados, como João Santarém, Pêro Escobar,
Soeiro Costa, Fernando Pó, Lopo Gonçalves e Rui Sequeira. Estes exploraram
todo o contorno do golfo da Guiné, assim como as ilhas, desde a Serra Leoa até
ao cabo de Santa Catarina, localizado a 2º ao sul do equador (perto de Port-Gentil,
no actual Gabão). Em 1474,
Afonso V confiou ao seu filho mais velho, o príncipe João, que lhe iria
suceder em 1481, à direcção
económica e política da expansão portuguesa. Mas vê-se então, durante vários anos,
manifestar-se a rivalidade entre Portugal e Castela. O tratado de Alcáçovas (1479), que põe cobro à guerra da
Sucessão, em Castela, acerta essas querelas. Delimita zonas de influência,
como o fará alguns anos mais tarde o tratado
de Tordesilhas. Uma cláusula reserva então, para Portugal, o golfo da
Guiné. Quando, em 1481, João II sobe
ao trono, a política de expansão recomeça de novo, mas com maiores ambições.
João II nutre um grande desígnio,
que se vai desvendando pouco e pouco, e que consiste em dobrar a ponta
meridional da África, para chegar à India.
Uma das primeiras decisões tomadas pelo novo monarca, a partir de 1481, foi a de mandar construir, sob a
direcção de Diogo Azambuja, o forte de São Jorge da Mina, na costa do golfo da Guiné, a oeste da actual localidade de Cape Coast (no
Gana). E todos os materiais deveriam ser transportados de Portugal para lá.
Em breve, sob a protecção da fortaleza, começou a nascer uma localidade que, em
1486, recebeu o estatuto de cidade.
Este ponto de apoio estratégico, na região em que se efectuava uma boa parte do
comércio do ouro africano, iria permanecer sob a soberania portuguesa até 1637. João II confiou a Diogo Cão
a tarefa de prosseguir a exploração da costa, para além do cabo de Santa
Catarina. É a partir desse momento que os navegadores portugueses ganharam o
hábito de levar com eles padrões, que colocavam em certos
pontos, para assinalar a sua passagem . Era o nome que se dava a pilares de
pedra, tendo ao cimo uma cruz ou o brasão português, com uma inscrição. Diogo
Cão realizou duas viagens. No decurso da primeira (1482-1483), chegou à
embocadura do rio Zaire (Abril
de 1483) e aí instalou o seu primeiro padrão (num lugar que
ainda se chama Ponta do Padrão), enviando então emissários ao rei do Congo.
De facto, foi encontrada, a 150 Km de
embocadura do Zaire, perto das cataratas de Ielala, gravada num
rochedo, uma inscrição em português arcaico: Aqui chegaram os navios do ilustre
rei de Portugal, JoãoII de Portugal. Lê-se a seguir diversos nomes,
incluindo os de Diogo Cão, Pêro Anes e Pêro Costa. Prosseguindo a sua
viagem, Diogo Cão atingiu depois, a 28 de Agosto de 1483, o cabo do Lobo
(hoje, cabo de Santa Maria, em Angola), a l3º 26’ de latitude sul. E não
foi mais além. Regressou então a Portugal, trazendo consigo alguns negros.
Chegou a Lisboa em Abril de 1484.
Temos aqui um episódio
lamentável. Para além do cabo
do Lobo, ponto extremo da sua viagem, Diogo Cão julgou ver a costa a
encurvar-se rumo a sueste. E, fazendo
dos seus desejos realidades, acreditou ter atingido a ponta meridional da
África. A passagem para o oceano Índico estava ao alcance da mão!
Comunicou ao rei esta notícia sensacional, mas falsa. E, no ano seguinte (1485),
o embaixador português em Roma, Vasco Fernandes Lucena mencionou-a num discurso
público. Imagine-se o descontentamento do rei, mais tarde, ao saber a verdade».
In
Lisboa e os Descobrimentos. 1415-1580. A invenção do Mundo pelos Navegadores
Portugueses. Coordenação de Carlos Araújo, Paul Teyssier, Terramar, Memórias,
Lisboa, 1992, ISBN 972-710-063-5.
Cortesia de Terramar/JDACT