Para as Excelências… (pardas)
«(…) Hoje, como no dia da sua aparição no mundo, o homem é obrigado a
consumir antes de produzir e enquanto produz. Para nós esta tese é uma
evidência, mas ela alterou todo o ponto de partida da investigação sobre a
essência do homem. Ele não caiu do céu a cavalo num meteorito, levantou-se da
terra. Na produção social da sua
existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias,
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado
grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. Assim, os homens fazem a sua própria história mas
não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas pelos
próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e
transmitidas. A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos
vivos como um pesadelo.
Na sua análise, Marx lembra-nos que a natureza
não produz, de um lado, possessores de dinheiro e de mercadorias e, do outro, possessores
tão-só da sua própria força de trabalho. Uma tal relação não tem fundamento
natural nem tão pouco constitui uma relação social comum a todos os períodos da
história. É o resultado de um desenvolvimento histórico preliminar, o produto
de um grande número de revoluções económicas, produto saído da destruição de toda
uma série de velhas formas de produção social. Essas
revoluções económicas marcaram a história. Pelo simples facto de que toda a
geração posterior encontra forças produzidas pela geração anterior que lhe
servem como matéria-prima de nova produção, forma-se uma conexão na história
dos homens, forma-se uma história da humanidade, que é tanto mais a história da
humanidade quanto as forças produtivas dos homens e, por consequência, as suas
relações sociais tiverem crescido.
Mas se as mulheres e os homens são produto das circunstâncias e da educação,
como é que fazem a história? Como
é possível conciliar vontades
contraditórias, individuais e colectivas? Em Ludwig Fuerbach e o
Fim da Filosofia Alemã, Marx
e Engels escrevem: Os
homens fazem a sua história, ocorra ela como ocorrer, perseguindo cada um os
seus próprios objectivos, queridos conscientes, e o resultado destas várias
vontades, que agem em diversas direcções, e da sua influência múltipla sobre o mundo
exterior é que é a história. Mais tarde, em 1890, Engels esclarece
melhor este ponto numa Carta a Joseph Bloch:
Há inúmeras forças que se
entrecruzam, um número infinito de paralelogramas de forças de que provem uma
resultante, o resultado histórico, que, por sua vez, pode ele próprio ser
encarado como o produto de um poder que, como todo, actua sem consciência e sem
vontade. Pois aquilo que cada indivíduo quer é impedido por outro e o que daí
sai é algo que ninguém quis. Assim a
história até aqui decorreu à maneira de um processo natural e está também
essencialmente submetida às mesmas leis do movimento.
Os homens dependem das circunstâncias estabelecidas pelas gerações que os
precederam, mas os educadores natureza e sociedade também têm de
ser educados. Esta tese de Marx evoca Demócrito, o filósofo que escolheu para a
sua tese de licenciatura: A natureza e
a educação, disse Demócrito, estão próximas uma da outra, porque a educação
transforma o homem mas, através desta transformação, cria-lhe uma segunda natureza.
Há mais de sessenta anos que me dedico à investigação em História. Na minha
formação teórica intervieram a vida e as leituras mais contraditórias. Marx? Sem dúvida. Ensinou-me
que é necessário partir do concreto,
ensinou-me que a história é um espaço e tempo total e contraditório onde cabem todos
os homens, incluídos, os excluídos, as minorias, os levantados do chão.
Ensinou-me que é possível e necessário inventar um modelo que capte, sempre
provisoriamente, o processo da evolução das sociedades humanas. O discurso
histórico que intenta prender nas letras o devir das sociedades e das
civilizações não pode ficar na enumeração ou exibição de princípios.
A escrita da História mobiliza o trabalho de gerações e gerações de
trabalhadores especializados: arqueólogos, linguistas, paleógrafos,
geógrafos, antropólogos, economistas, juristas, críticos de arte, de
literatura. Serve-se da Filosofia, da Geografia, da Biologia, da Economia, do
Direito, da Sociologia, da Antropologia, da Literatura, da Arte, da Linguística.
Usa uma vasta panóplia de conceitos: trabalho
social, classes, grupos sociais, modo de produção, níveis das forças
produtivas, relações de produção, complexo histórico-geográfico, ideologia,
tempo curto, longa duração, anacronismo etc». In António Borges Coelho, Algumas
notas sobre Marx e a História, Wordpress, Marx em Maio, 2012.
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