Para as Excelências… (pardas)
«(…) Todos os objectos marcados pela mão e a mente do homem constituem a
matéria-prima do discurso histórico. Os textos escritos, os monumentos,
as ferramentas no afeiçoar dos campos, na produção industrial e comunicacional,
os livros, a música, os quadros, o trem da oficina e da cozinha, os rituais da vida,
do lazer, da festa, da guerra e da morte. Parte fundamental dessa matéria-prima guarda-se
nos arquivos, nos museus, nas bibliotecas, nas casas, nas aldeias, nas cidades,
nas organizações dos homens vivos. O artesão do tempo marca o produto com
a sua mente e a sua mão mas é extremamente dependente; dependente das
informações, dependente do trabalho dos homens e mulheres que organizam a
informação conservada nos arquivos, bibliotecas e museus; dependente das ideias
e da carpintaria dos autores que o antecederam; dependente de toda a sociedade
no pensar, no comer, no vestir, no milagre diário de existir e amar. A
informação nunca é bastante, mas na época contemporânea corremos o grave risco de
sufocar pelo excesso. É dessa informação que construímos os factos num trabalho
de organizar, estruturar e relacionar. E sempre a fita métrica e o compasso da Cronologia.
Ela mede e ordena o que parece sem ordem
e permite ver sentidos no que parece não ter sentido. No entender de Marx,
para organizar a matéria-prima e lhe dar vida, os autores dos textos têm de viver com intensidade a época que lhes
caiu em sorte. Quanto mais se enredarem nos seus dramas e combates,
quanto mais se submergirem nos acontecimentos contraditórios, mais fértil a
experiência, mais fina a sensibilidade para compreender a
linguagem, o esconde-esconde das acções dos homens.
No campo historiográfico não se pode confundir o real e o lógico nem
coisificar os modelos anulando a indeterminação do real, indeterminação
acrescida nas sociedades humanas pelo factor a que os teólogos e os filósofos
chamaram livre arbítrio, sem esquecer o acidente e o que se esconde sob a
palavra acaso. O oficial da história também não pode refugiar-se na procura necessária
e sempre incompleta de informações novas, esquecendo que conhecer é relacionar.
Há ainda quem minimize e desconfie da compreensão e, a pretexto de perigo
ideológico, recuse, afinal, por preconceitos ideológicos, ferramentas conceptuais
e expulse do território da teoria contributos de autores considerados malditos.
Nas últimas décadas a História foi colonizada pela Sociologia. O ponto de
partida é o concreto mental e sócio-económico, mas a História é a descrição e
compreensão dos movimentos que, no infinito dos possíveis, se materializaram na
prática. História acontecimento?
Descrição e compreensão dos acontecimentos e da sua relação com as estruturas
sociais e mentais ou mentais e sociais que a visão dos homens sobre o universo
também determina a sua existência.
Só através dos universais o processo histórico, a história real em movimento
pode ser captada e compreendida, tanto quanto é possível compreendê-la. Mas
se o discurso paira nos universais, se se move num universo fechado de
conceitos, corre o risco de se despenhar contra a montanha oculta pela nuvem de
palavras vazias. Não vê o relevo, os rios, as montanhas, os oceanos, as
cidades, os particulares, os singulares. Pela própria natureza do
conhecimento, o manipulador da Memória
tenta alcançar a visão total mas a sua consciência não consegue captar de uma
só vez mais que os sinais dos pequenos instantes. Quer alcançar o todo mas só o
pode tentar pela parte. Por outro lado, a parte só é possível de ler
numa perspectiva do todo. Ao constante movimento e transformação do mundo, a
razão responde imobilizando na ideia o que se move. Daí a necessidade de rectificação
constante, daí a urgência de encontrar novas relações e mecanismos lógicos que
envolvam a prova e a direcção do movimento.
Vivemos um tempo em que o sistema social não só não satisfaz como agrava em
estremo todos os problemas e contradições. Políticos e gestores do grande capital actuam
como se a riqueza produzida pela sociedade lhes pertencesse e pudessem usá-la a
seu bel-prazer. Não respeitam os compromissos, entram no bolso roto dos pobres a quem reservam as sobras. Empurram massas
humanas para o desemprego ou subemprego, excluem-nas do sistema, como se não
fizessem parte da mesma humanidade. A hora é demudança, a hora pede a
união dos excluídos e de todos os homens de boa vontade. Um mundo melhor é possível!» In António Borges Coelho, Algumas
notas sobre Marx e a História, Wordpress, Marx em Maio, 2012.
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