domingo, 22 de dezembro de 2013

Ensaios Camilianos. Óscar Lopes. «Ana Plácido abandona o marido, vai viver com Camilo para Lisboa; o escândalo, as dificuldades monetárias, e, depois, a perseguição judiciária forçam os dois apaixonados a fugir de terra em terra, a tomar as mais desencontradas decisões, até que, primeiro ela, e depois ele, dão entrada na cadeia…»

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Estudos
Camilo Castelo Branco. Vida e Carácter
«(…) Além das intrigas e aventuras de redacção jornalística, de camarim de ópera, de sociabilidade literária, continuam os enredos amorosos; os outeiros poéticos dão-lhe acesso à intimidade de uma freira; vive algum tempo com uma costureira dos arrabaldes; bate-se em duelo com um dos filhos de Maria Felicidade Brown, que dele se enamorara; finalmente, apaixona-se por Ana Augusta Plácido, que vem a casar-se com o brasileiro Pinheiro Alves, desencadeando-se-lhe uma crise religiosa que o leva a matricular-se no Seminário do Porto (1850-52), para, como vários dos seus heróis, buscar na ordenação sacerdotal o bálsamo do inferno na alma. Em 1852-53 colabora em órgãos da imprensa absolutista e clerical, com os quais logo rompe. Em 1859, finalmente, estando já bem lançado na carreira de novelista, com bastantes volumes publicados, a sanção dos críticos literários mais autorizados, e acompanhando a evolução geral no sentido da actualidade e do realismo, dão-se os acontecimentos que mais o celebrizam: Ana Plácido abandona o marido, vai viver com Camilo para Lisboa; o escândalo, as dificuldades monetárias, e, depois, a perseguição judiciária forçam os dois apaixonados a fugir de terra em terra, a tomar as mais desencontradas decisões, até que, primeiro ela, e depois ele, dão entrada na cadeia da Relação do Porto. A prisão e o julgamento, de que resulta uma memorável absolvição (1861), encerram a fase de amadurecimento pessoal e literário, e a publicação de O Amor de Perdição em 62, como fruto principal da sua última aventura, transportada para a biografia de um seu parente, assinala o apogeu da sua popularidade de novelista.
A partir de 1864, com várias intermitências, a sua vida decorre na casa de S. Miguel de Ceide, que o filho de D. Ana Plácido do seu primeiro marido recebeu em herança. Obrigado a viver do que escreve, Camilo passa a última fase da sua vida num crescendo de tragédias; afligem-no as dificuldades de dinheiro (em 83 a sua biblioteca é leiloada) e o avanço implacável da cegueira; dos dois filhos que tem de Ana Plácido, o mais velho, Jorge, é louco, e o segundo um inútil cuja solução de vida consistiu em casar rico, mediante um namoro epistolar e um rapto que o próprio Camilo agenciou. Alguns dos seus amigos mais íntimos, como Vieira Castro, findam tragicamente. O escritor está na acmê, na plenitude dos seus recursos literários: as suas novelas, embora cheias de improvisos, colhem com flagrante realismo tipos populares, burgueses, restos da desagregação dos morgadios de Entre Douro e Minho, num estilo vivo que incorpora a linguagem oral minhota e processos da nova técnica realista, mas ele sente-se por vezes ultrapassado como romancista de pleno sentido, quando surgem, primeiro Júlio Dinis, depois Eça de Queirós. Dependendo quase exclusivamente do seu trabalho literário, não pôde nunca dar-se ao gosto de construir um romance de fôlego, fervente de caracteres e ambientes, que eliminasse os atractivos folhetinescos e a retórica sentimental. Teófilo Braga revela até que ponto chegava a proletarização literária do génio de Camilo, quando nos indica as exigências de vários editores que teve: um deles encomendava-lhe livros de moralismo convencionalmente religioso; outro queria enredos históricos; outro só aceitava obras de escândalo, quer pela polémica, quer pelo conteúdo apimentado. É certo que não lhe faltaram homenagens honrosas: o rei Pedro visitara-o na prisão; Castilho e outros ergueram-no às nuvens; foi feito visconde, como Garrett e Castilho. Em 88 legitima-se a sua ligação com Ana Plácido. Mas os sofrimentos físicos, morais, pecuniários, o tédio de todas as aventuras, sobretudo da última, prepararam nele mais uma vítima da psicose romântica do suicídio, acabando por se matar com um tiro de pistola, em 1890, depois de ter perdido a esperança de recuperar a vista». In Óscar Lopes, Ensaios Camilianos, Fundação António de Almeida, Greca Artes Gráficas, Porto, 2007, ISBN 978-972-8386-69-6.

Cortesia da F. António de Almeida/JDACT