quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Sevilha. Século XVI. De Colombo a D. Quixote. Entre a Europa e as Américas. Carlos Araújo. «A poesia encontrou também terreno fértil, com uma primeira escola poética, fundada pelo aprazível Gutierre Cetina, o divino Fernando Herrera e o jocoso e popular Baltasar del Alcázar»

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Arquitectura e festas
«(…) A impressão que Sevilha produzia nos seus visitantes devia-se, em grande parte, ao frenesim de construção que se apoderou da metrópole. Os equipamentos civis (Câmara Municipal, Palácio da Justiça), económicos (Casa da Contratação, Lonja, Alfândega, Palácio da Moeda), religiosos (Catedral, igrejas e conventos), de ensino (colégios universitários, escolas da Companhia de Jesus), de assistência (hospitais), privados (casas e palácios) e de divertimento (corrales de teatro) exigiram a construção de uma nova cidade que se sobrepôs ao património medieval, como simbolicamente o pináculo renascentista da Giralda se sobrepôs ao grande minarete herdado dos Almóadas. A história de Sevilha foi, de certa maneira, a história do nascimento de uma cidade, cujos alicerces mergulhavam no passado romano e muçulmano. Os Sevilhanos inventaram ainda os seus modos próprios de expressão colectiva. Claro que os conquistadores castelhanos trouxeram com eles modelos culturais já elaborados e bem afirmados, mas aqui, no crisol de uma estrutura social particular e sob o calor de novas influências culturais, transformaram-se num produto dotado de traços singulares, características específicas que se cristalizaram numa evidente originalidade. Não tardou a haver em Sevilha uma maneira especial de viver a Paixão de Cristo nas ruas, de celebrar com um ardor singular a Festa do Corpo de Deus, de exprimir, de uma maneira ao mesmo tempo subversiva e respeitosa das normas, o desejo reprimido de transformação social, de escrever a sua própria história religiosa, celebrando santos particulares, de expandir a sua alegria através de fórmulas originais. Houve talvez uma maneira sevilhana de exprimir a angústia do pecado ou de praticar a caridade, de sentir a morte ou de viver o amor, numa cidade caracterizada pela veemência dos seus pecadores arrependidos, que se redimem ao serviço dos pobres, ou pela audácia dos seus sedutores, que desafiam a morte e os próprios avisos do Além.

Um fervilhar cultural
A alma de Sevilha penetrou nos escritores e artistas de todo o género que, ao longo do século XVI, ilustraram a cidade com o seu talento. Assistiu-se ao florescimento de uma plêiade de humanistas, e eruditos, entre os quais poderemos citar os nomes de Benito Arias Montano, Gonzalo Argote Molina, Alonso Morgado, Pedro Mexía, Luis Peraza, Sebastián Fox Morcillo ou Juan Mal-Lara. Ao lado destes, trabalharam cientistas: médicos, como Bartolomé Hidalgo Agüero, Simón Tovar ou Nicolás Monardes, economistas, como o dominicano Tomás Mercado, ou cosmógrafos, como Pedro Medina ou Martín Cortés. Muitos destes constituíram bibliotecas consideráveis, como a de Hernando Colón (o filho do Almirante), que ascendia a vinte mil volumes. Muitos publicaram as suas obras na nascente tipografia sevilhana, que se dinamizou muito depressa e que era representada pelo alemão Jacobo Cromberger, primeiro editor de Erasmo na cidade, mas também por sábios, que se fizeram impressores, como Monardes. Esta dinâmica tipografia sevilhana serviu de modelo à americana, a qual recebeu os seus primeiros equipamentos, enviados de Sevilha, em 1539. A propósito, recorde-se que a primeira farmácia do Novo Mundo também partiu de Sevilha em 1514. Muitos destes homens frequentaram também os cenáculos que animaram o debate sevilhano, como a academia fundada pelo conde de Gelves na sua casa de Sevilha, e que reunia o dramaturgo Juan de la Cueva (criador, com Lope de Rueda, do teatro sevilhano), o erudito Gonzalo Argote Molina, o cónego Francisco Pacheco, o humanista Juan Mal-Lara (fundador, por sua vez, de uma escola de Gramática e de Humanidades) e o poeta Fernando Herrera.
A poesia encontrou também terreno fértil, com uma primeira escola poética, fundada pelo aprazível Gutierre Cetina, o divino Fernando Herrera e o jocoso e popular Baltasar del Alcázar. Poetas do Renascimento, serão substituídos por uma nova geração que fará a transição para o estilo barroco e cuja carreira literária decorrerá no século seguinte: será o caso, entre outros, dos ilustres Francisco Rioja, Juan Arguijo e Rodrigo Caro. Sevilha foi o foco ideal de expansão das arres plásticas, cuja verdadeira idade de ouro começou no século XVI e se prolongou até aos últimos clarões do barroco. A febre de construção que se apoderou da cidade exigiu o concurso de importantes arquitectos, que vão de Diego Riaño (a sacristia dos Cálices) a Juan Herrera (a Casa Lonja) passando por Martín Gaínza (a sacristia principal) e Hernán Ruiz II (a Giralda). Os edifícios exigiam uma obra escultórica digna da sua sumptuosidade, a qual foi executada por mestres notáveis, italianos primeiro (Domenico Fancelli, Pietro Torrigiano), espanhóis depois (Juan Bautista Vázquez, Jerónimo Hernandez, precursores do genial Juan Martínez Montañés, o grande escultor sevilhano da época barroca).
A pintura não foi menos brilhante: a obra-prima gótica de Alejo Fernández (A Virgem dos Navegadores, símbolo da nova Sevilha marítima e americana) abre caminho à Renascença nórdica de Pedro Campaña e Hernando Esturmio e à influência da Renascença italiana em pintores, como Luis Vargas, Pedro Villegas ou Alonso Vázquez, antes de uma última geração (Francisco Pacheco, Francisco Herrera, Juan las Roelas) preparar a transição para o esplendor da escola sevilhana do barroco, com Velázquez, Zurbarân e Murillo». In Sevilha, Século XVI, De Colombo a D. Quixote, Entre a Europa e as Américas., O coração e as riquezas do Mundo, coordenação de Carlos Araújo, Carlos Martínez Shaw, Terramar, Lisboa, 1993, ISBN 712-710-073-2.

Cortesia de Terramar/JDACT