segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O Segredo do 13º Apóstolo. Michel Benoît. «Tinha então sido forçado a abandonar precipitadamente San Girolamo, retomando o comboio para a abadia: ‘corria perigo’. O que ele queria era paz, apenas paz. O seu lugar não estava no meio destas maquinações…»

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«O comboio precipitava-se na noite de Novembro. Ele deitou um olhar ao relógio: como é costume, o expresso de Roma estava com duas horas de atraso no trajecto italiano. Suspirou: não se chegaria a Paris antes das 27 horas... Procurou instalar-se de modo mais confortável, passando o indicador entre o colarinho de celulóide e o pescoço. O padre Andrei não estava habituado a este traje de clérigo, que só usava para sair da abadia, o que era raro. E estas carruagens italianas deviam datar de Mussolini! Os assentos a imitar cabedal, duros como bancos de um parlatório ou de um mosteiro, uma janela que é possível baixar até, à barra de apoio a um nível muito baixo, nada de ar condicionado... Enfim, só faltava uma hora. As luzes da estação de Lamotte-Beuvron acabavam de ficar para trás a uma velocidade estonteante: sempre, nas longas linhas rectas de Sologne, o expresso atingia a sua velocidade máxima. Vendo o padre a agitar-se, o passageiro atarracado sentado à frente dele desviou os seus olhos castanhos do jornal e esboçou-lhe um sorriso, que não iluminou o seu rosto de tez baça. Sorriu apenas com os lábios, pensou Andrei. Os olhos permanecem frios como uma pedra do rio Loire…
O expresso de Roma transportava frequentemente uma população clerical que o fazia parecer-se com uma sucursal do Vaticano. Mas neste compartimento só estava ele e esses dois homens silenciosos: os outros lugares, apesar de reservados, continuavam vazios desde a partida. Deitou um olhar ao segundo viajante, enfiado no ângulo da esquina do corredor: um pouco mais velho, elegante e loiro como o trigo. Parecia dormir, os seus olhos estavam fechados, mas por momentos tocava piano com a mão direita sobre o seu joelho, a mão esquerda mantinha acordes sobre a coxa. Desde a partida que só tinham trocado uns magros cumprimentos, em italiano, e Andrei tinha reparado no seu forte sotaque estrangeiro, sem conseguir identificá-lo. Europa de Leste? O seu rosto era juvenil, apesar de uma cicatriz que começava na orelha esquerda perdendo-se no ouro dos cabelos. Este hábito que tinha de observar os pormenores... Vinha-lhe sem dúvida de toda uma vida debruçado sobre os manuscritos mais obscuros. Apoiou a cabeça contra o vidro e olhou distraidamente para a estrada que acompanhava a via do caminho-de-ferro.
Havia já dois meses que deveria ter enviado para Roma, traduzido e analisado, o manuscrito copta de Nag Hamadi. A tradução, conseguira-a rapidamente. Quanto ao relatório de análise que deveria acompanhá-la! Não tinha conseguido redigi-lo. Era impossível dizer tudo, para mais por escrito. Demasiado perigoso. Tinham-no então convocado. Nos escritórios da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Inquisição (maldita), não conseguiu escapar às perguntas dos seus interlocutores. Teria preferido não lhes falar dessas hipóteses, refugiar-se nos problemas técnicos da tradução. Mas o cardeal e, sobretudo, o temível minutor, empurraram-no para o seu reduto obrigando-o a dizer mais do que desejava. Tinham-no depois interrogado na laje de Germigny: onde os rostos se fecharam mais um pouco, Finalmente, tinha ido à reserva da Biblioteca Vaticana, onde o passado doloroso da sua família o alcançou bruscamente, talvez fosse o preço a pagar para ver, finalmente, a prova material daquilo que há muito suspeitava. Tinha então sido forçado a abandonar precipitadamente San Girolamo, retomando o comboio para a abadia: corria perigo. O que ele queria era paz, apenas paz. O seu lugar não estava no meio destas maquinações, não estava em casa em Roma. Mas haveria ainda algum lugar em que estivesse em casa? Ao entrar na abadia, tinha mudado de pátria pela segunda vez, e a solidão tinha-se apoderado dele, Agora, o enigma estava resolvido. O que iria dizer ao padre Nilo no seu regresso? Nilo, tão reservado, e que tinha já percorrido, sozinho, uma parte do caminho… Colocá-lo-ia na via certa. O que ele tinha descoberto ao longo de toda uma vida de investigação, Nilo teria que o descobrir por si só. E se lhe acontecesse alguma coisa... Nilo seria digno de transmitir por sua vez». In Michel Benoît, Le Secret du Treizième Apôtre, Éditions AlbinMichel, 2006, O Segredo do 13º Apóstolo, Sicidea, Sant Vicenç dels Horts, 2007.

Cortesia de Sicidea/JDACT