Os Programas de Manuel Maia
«(…) A terceira proposta,
da equipa de Eugénio Santos, forma, em certa medida, uma síntese das outras
duas, ao respeitar certos valores da imagem antiga da cidade e ao assumir uma
modernização da sua rede urbana. Embora cortadas, mas não interrompidas, por um
sistema de ruas na direcção da Nova
dos Ferros, três outras sobem do Terreiro do Paço até ao Rossio,
realizando assim a ligação directa que se impunha. O seu carácter oblíquo
reproduz ainda as linhas de força da malha antiga, mas racionalizando-a da
forma mais conveniente. A maior novidade deste plano é, porém, constituída pelo
tratamento do Terreiro do Paço que obtém a sua independência urbana, com
uma nova forma quadrada que há-de comandar os princípios de toda a urbanização
da Baixa. A progressão ideográfica que se observa nestas três plantas,
e a síntese encontrada na terceira, após um estado algo irreal que a segunda
manifestava, permite-nos apreciar o processo mental que se desenrolava, e
entender, agora, que a solução final devia ter a sua radicação no
próprio tratamento do terreiro real. A ideia de Eugénio Santos, atribuindo à
grande praça um papel piloto na topologia geral da área, assume, por outro
lado, um significado simbólico que não pode ser esquecido, com a sua conotação
ideológica, e, consequentemente, política. A segunda série dos projectos
apresentados assumirá essa responsabilidade: a sua regularização é efeito do
dado adquirido da imagem regular e monumental
do Terreiro do Paço, que, nos seus avatares, não mais poderá perder
esse carácter.
Traçados com inteira
liberdade, os planos entregues por Gualter Fonseca e Elias S. Poppe (n.os
4 e 6), são estritamente dominados pela ideia de uma malha regular de ruas que
liguem as duas praças, através dum sistema de perpendiculares e de transversais
e com inteira exclusão de qualquer oblíqua que lembrasse estruturas anteriores.
O princípio ortogonal era exigido e quase obsessivamente satisfeito na primeira
destas plantas, para além das possibilidades das cotas a que não se atendia
concretamente. Poppe traçou um plano mais maleável e mais imaginoso, embora a sua
quadrícula fosse extremamente monótona, com os seus nove quarteirões iguais, no
sentido S.-N. Gualter previra apenas quatro, mas demasiadamente alongados, e a
interrupção que um e outro urbanista marcavam no seu reticulado, para criar
local apropriado para a igreja de S. Nicolau (situação aliás constante em
todas as anteriores plantas), era a única defesa contra uma seriação passiva,
defesa, de resto, brilhante, pelo seu monumentalismo, no projecto de Poppe. Nos
dois planos, o Terreiro do Paço, especialmente atendido, apresentava, porém,
soluções bem diferentes. Enquanto Gualter Fonseca igualava a sua área à do
Rossio, num erro manifesto, em relação à estrutura necessária da nova cidade, tanto
quanto uma imagem tradicional e constante de Lisboa, Poppe fazia pior, em outro
sentido, com uma justificação monumentalista impossível de aceitar. Com efeito,
a planta n.° 6 fecha o Terreiro do Paço, tornando-o uma praça interior,
separada do Tejo que é a sua razão de ser topológica. Uma monumentalidade mal
compreendida erigia dois grandes edifícios, Bolsa do Comércio e Armazém do Tabaco,
na face sul da praça, e levantava, na sua face poente, uma vasta igreja
patriarcal, ideia nova que punha, inoportunamente, o problema da reconstrução
deste templo que ia sendo satisfeito por instalações provisórias. O plano de
Poppe, por outro lado, trazia um reforço à densidade das igrejas da Baixa,
cerca de uma dúzia, que devia ser respeitada.
Resta ainda um projecto,
o traçado por Eugénio Santos (n.º 5), que foi finalmente aprovado por
Pombal, e posto em execução com alterações de pormenor. Ele constitui a peça
fundamental do processo da Baixa Pombalina, e o facto de ser o
melhor, o mais inteligente e sensível nas soluções trazidas aos vários problemas
que se punham, prova o talento do seu autor, tanto como a inteligência política
do ministro que por ele soube optar, entendendo o seu papel, no quadro dum despotismo
iluminado que ele próprio assumia. A planta de Eugénio Santos é constituída
por uma malha assaz complexa de ruas que garante a dinamização do conjunto. Os
dois pólos da Baixa, o Terreiro do
Paço e o Rossio, são definidos substantivamente e assumem o seu papel
definitivo, ao ser possível alinharem-se os seus lados poente que em todos os
outros projectos se desencontravam, à maneira antiga. Mas o Terreiro do Paço é mais
largo, como sempre foi, embora diminuído em relação às dimensões precedentes, e
toma uma forma (quase) quadrada. Três ruas nobres sobem do Terreiro para o Rossio, sem interrupção, mas
só as duas primeiras, do lado poente, desembocam na sua área. Assim, as três
ruas do lado sul são apenas duas do lado norte, numa praça e noutra, tendo o Terreiro três acessos e o Rossio, em princípio, apenas dois;
veremos como o problema foi resolvido nesta última praça. Mas, além do mais
duas ruas de idêntico comprimento, no sentido S.-N., a planta propõe três que,
chegando à linha sul do Rossio, não partem directamente do Terreiro do Paço,
mas nascem três quarteirões acima. Isso permite activar o ritmo da malha urbana,
evitando a sua monotonia, para o que igualmente contribuem as ruas
transversais, sete no total, mas três intervindo de maneira particular,
pois definem blocos de casas de diferente configuração. A variação da largura
das ruas e a variação de forma e da orientação dos quarteirões (quarenta
alongando-se no sentido S.-N., doze no sentido E.-O. e três quadrados)
determinam um processo urbanístico dinâmico. Este define-se ainda na encosta de
S. Francisco, consequentemente regularizada de um lado e do outro da rua das
Portas de Sta. Catarina (Garrett actual), e, junto ao Tejo, para além do
Arsenal, no Bairro de S. Paulo. Entre uma e outra zona observa-se ainda um
sistema irradiante, no Ferragial, que não seria cumprido, mas que marca
uma situação inédita no processo programado ao longo dos seis projectos». In
José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina,
Director da Publicação António Quadros,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva
do Comércio, Instituto Camões, 1986.
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