Os Programas de Manuel Maia
«(…) Mais tarde, o plano
de Eugénio Santos aparecerá atribuído também a Carlos Mardel, ficando a Baixa
Pombalina com uma dupla autoria, que é exacta mas não inteiramente
justa. Com efeito, em 1760, ano da
morte de Eugénio Santos, novas mensurações da área revelaram desacertos com o
projecto n.° 5, e foi necessário introduzir-lhe alterações de que se encarregou
o seu sucessor no Senado da Câmara, Mardel. Outras foram também devidas a novos
critérios de ocupação do espaço, como na
área primitivamente coberta pelo Hospital Real e que viria a ser arruada e,
finalmente, em 1775, aberta
como praça da Figueira. Fora da área da parte baixa, assim urbanizada,
e concomitantemente, Manuel Maia promoveu, porém, o estudo de uma
considerável zona semi-rural (cerca de 190 hectares), que se estendia
para Noroeste e cuja urbanização foi considerada com a prontidão que Sua
Majestade ordenava. As ordens foram dadas a 9 de Abril de 1756 a uma equipa agora constituída por
Eugénio Santos, Mardel e Poppe,
com A. C. Andreas e J. D. Poppe, que devia já demarcar e balizar o terreno,
comunicando-se aos respectivos proprietários instruções relativas à edificação
e às infra-estruturas viárias e sanitárias. A intenção era enobrecer a cidade e ajustar
(os novos bairros) com a renovação da parte arruinada da cidade, num
conjunto harmónico de ruas e fachadas, estas possivelmente enriquecidas para
utilização palaciana.
A área coberta tem a
forma dum quase triângulo alongado cujos vértices seriam, um, contíguo ao lado
norte do Rossio, nas alturas de S. Roque, outros em S. Sebastião da Pedreira e
no Arco do Carvalhão, junto das muralhas seiscentistas, abrangendo assim
vastos terrenos severamente esquadriados por uma malha urbana de cerca de 45 quilómetros
de extensão, dividida em vários núcleos que se articulam e compreendem catorze
praças, uma das quais redonda e outra octogonal, com imediatas funções irradiantes.
Plano ambicioso e um tanto abstracto, que fez a felicidade de Manuel Maia mas
que, terminado já em Dezembro de 1756,
foi abandonado e esquecido. Oito anos depois abrir-se-ia um passeio
público a uma extremidade da zona assim tratada e a Praça da Alegria, em 1773, também não o tomou em
consideração. Em 11 de Agosto de 1757 outra
urbanização congénere foi adicionada a esta, a Norte da colina de Santana e
indo até Arroios, igualmente sem consequência. Mas a este plano correspondeu
outro, relativo à parte oriental de Lisboa, do qual se desconhecem a
origem e a autoria. Encerra ele uma área irregular, de feição triangular mas
com uma das faces arredondada, e cujos vértices se marcavam sensivelmente em Arroios,
Graça e Santos-o-Velho. Ainda mais abstracto do que o plano precedente,
este tem um aspecto irrealista com o seu traçado de longas ruas direitas que se
sucedem, cruzam ou articulam, independentemente das cotas do terreno
acidentadíssimo que percorrem. Nenhuma praça neste conjunto primário, que ficou
também esquecido e cuja ambição não tem justificação plausível. Os dois
planos demonstram, no entanto, uma vontade, senão um pensamento urbanístico que
nenhum obstáculo detinha, na euforia da Reconstrução.
A Legislação da Reconstrução
A legislação de Pombal
relativa às obras a realizar marca, todavia, uma considerável pausa após a
apresentação dos planos, em Abril de 1756.
Com efeito, só dois anos depois, a 12 de Maio de 1758, um alvará com força de lei possibilita e determina o início
dos trabalhos. Trata-se da peça básica de todo o processo. Obrigações e
direitos dos proprietários, atendendo a várias situações especiais, de
aforamento ou enfiteuses, ali são determinadas: cada proprietário receberá uma
área de terreno igual à perdida, mas geometricamente configurada, com
indemnização pelos espaços ocupados pelos novos arruamentos, e fica obrigado a
construir no prazo de cinco anos após termo de responsabilidade, ou, não
podendo fazê-lo, deverá ceder o terreno, recebendo a indemnização respectiva.
Hipotecas preferenciais sobre as construções permitem obter os capitais
necessários às obras. Estas serão feitas conforme um novo plano regular e decoroso que, já anunciado em 1756, agora ia concretizar-se. Um mês
depois, a 12 de Junho, Pombal enviou ao duque Regedor das Justiças, que seria
encarregado da inspecção geral dos trabalhos (de modo a acelerar sentenças
em agravos e reclamações, não obstante quaisquer
leis, regimentos, etc. em contrário), os planos definitivos da Baixa,
acompanhados por instruções de ordem prática e já pormenorizada. Um ano mais
tarde, a 19 de Junho de 1759, novas
instruções baixaram sobre a maneira urgente como os proprietários deviam tomar
conta dos terrenos que lhes eram atribuídos, e, a 12 de Julho, um edital do Regedor
das Justiças ordenou a distribuição dos terrenos na Rua Augusta. Mais de um
ano decorrido, a 28 de Outubro de 1760,
novo edital da mesma origem (assumira já então a Regedoria das Justiças o
arcebispo de Évora, futuro cardeal Cunha) mandava efectuar uma larga
distribuição de terrenos em toda a zona, que, em 5 de Novembro, Pombal, por
decreto, atribuía, rua a rua, aos diferentes mesteres corporativos, por vezes
fixados na nova toponímia (ruas dos
Sapateiros, Correeiros, Douradores, mais tarde dos Retroseiros, Capelistas,
Fanqueiros). Com este diploma se concluía, em termos simbólicos, o
processo da nova Baixa». In José Augusto França, A Reconstrução de
Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura
e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto
Camões, 1986.
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