sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Guerreiros. Portugueses. Medievais. Miguel G. Martins. «… andar a cavalo, justar, lançar o tavolado, andar com armas, participar em torneios, fazer távolas redondas, esgrimir, caçar veados, ursos, javalis, leões e as outras coisas semelhantes a estas que são ofício de cavaleiro…»

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O treino e a formação dos comandantes militares na Idade Média
«Na Idade Média, a formação militar dos combatentes, e em particular a dos comandantes, fazia-se numa base eminentemente prática e quase que exclusivamente no terreno, isto é, em acção nos teatros de operações. Assim, o bom combatente era o guerreiro rotinado, experiente e habituado aos enfrentamentos armados. Porém, como sublinha Philippe Richardot, se a guerra constante contribuía para formar, pela experiência, bons líderes, a paz prolongada trazia a inexperiência e a perda de hábitos e rotinas de combate, pelo que havia que encontrar alternativas para formar e exercitar os guerreiros, designadamente os comandantes.
Desde a Antiguidade que o treino militar colectivo, veja-se apenas os exemplos das falanges espartanas ou das legiões romanas, era reconhecido como tendo um papel preponderante na formação dos guerreiros e na consolidação de um verdadeiro espírito de corpo, pois só assim esses homens estariam em condições de encarar o combate bem exercitados no uso das suas armas e, por isso, técnica e psicologicamente em vantagem sobre um inimigo menos bem preparado. Mas esse tipo de treino conjunto só era possível de levar a cabo com exércitos permanentes e não com efectivos recrutados ad hoc e por períodos de tempo limitados, como era o caso dos exércitos medievais. Só mesmo algumas forças das ordens militares parecem ter tido condições para se exercitar colectivamente, por exemplo, na preparação das cargas de cavalaria que, como sublinhou John France, eram manobras extremamente difíceis de executar. Assim, face à impossibilidade de desenvolver um programa de exercícios colectivos, na Idade Média o ensinamento e o treino dos combatentes fazia-se de modo individualizado, aliás, como era proposto em algumas obras de cunho didáctico. As Siete Partidas, compilação jurídica preparada entre 1256 e 1265 durante o reinado de Afonso X de Leão e Castela e por sua própria iniciativa, por exemplo, aconselhavam vivamente os reis a educarem os príncipes, futuros comandantes militares, de forma que saibam cavalgar e caçar e jogar toda a maneira de jogos, e usar toda a maneira de armas, uma ideia muito semelhante à que, anos mais tarde, entre 1327 e 1332, seria veiculada no Libro de los Estados, do infante castelhano Juan Manuel. Também o aragonês Raimundo Lulo, no Livro da Ordem da Cavalaria, redigido provavelmente em 1275 apresentava uma proposta em tudo semelhante, enumerando os exercícios mais importantes no processo de adestramento dos cavaleiros: andar a cavalo, justar, lançar o tavolado, andar com armas, participar em torneios, fazer távolas redondas, esgrimir, caçar veados, ursos, javalis, leões e as outras coisas semelhantes a estas que são ofício de cavaleiro; porque por todas essas coisas se acostumam os cavaleiros a feitos de armas e a manter a ordem da cavalaria.
Com efeito, muitos destes exercícios constituíam uma prática que os combatentes nobres, em particular os futuros comandantes militares, desde tenra idade, eram habituados a levar a cabo, por vezes sob a orientação paternal, mas também de acordo com as instruções de um amo, geralmente um guerreiro mais experimentado, a quem eram entregues para que se encarregasse da sua educação e formação marcial». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT