A Montagem de uma Conspiração.
Debates
de Comando e Direcção
«(…) O magno problema da unidade dos miguelistas não era sentido apenas
no reino. Com efeito, entre os exilados ou emigrados as clivagens pessoais
tinham uma presença especial que, nalguns casos, afectava o plano de
Restauração em Portugal. Era o caso da desinteligência entre António Ribeiro
Saraiva e Francisco Alpoim Menezes que, sendo anterior, teve especial
incidência a partir de 1843. A missão
de Alpoim em Londres no início de 1843,
a ter em conta as sempre boas e conciliadoras intenções do visconde de Queluz,
não colidiria com as funções de Ribeiro Saraiva, podendo até facilitá-las, dado
que, vindo de Roma, Alpoim conhecia bem o pensamento de Miguel. O quadro de colaboração não seria tão idílico e Alpoim
começou por estabelecer um conjunto de correspondências para o reino, à revelia
dos canais estabelecidos por Saraiva e expressando pontos de vista diversos dos
oficiais. A desinteligência entre os dois não se fez esperar. Não deixou de ter
efeitos nocivos nos esforços de organização e unidade em curso na época, pois
instaurava um clima de incerteza no já complexo meio miguelista.
Era mais um elemento negativo numa altura em que se procurava estabelecer
um diálogo entre o grupo eleitoral (Caetano Beirão) e o de intenção conspiratória.
Nestas condições a reconciliação entre Ribeiro Saraiva e Alpoim, ainda que
meramente táctica, afigurava-se como indispensável para o andamento da causa. Isso
foi reconhecido, mutuamente, pelos dois caudilhos miguelistas. Para consolidar
esse acordo, Alpoim passa a fazer parte do Centro de Londres, enquanto
permanecesse nesta cidade. O arranjo seria, apesar de tudo, precário, pois
Alpoim não deixou de enviar correspondências para Lisboa, de notória acção
corrosiva da influência do Centro de Londres. Todavia, o seu prestígio na
capital era, ao que parece, nulo. O seu comportamento causava a maior reserva aos
chefes miguelistas, pois tal presença epistolar era prejudicial à causa. Na
província sentiam-se igualmente os perigos destas rivalidades e caprichos que nos perdem, procurando-se
impedir a sua divulgação.
Alheio a estas preocupações Alpoim prosseguia a sua campanha contra
Ribeiro Saraiva, fazendo-lhe acusações gravíssimas, como a de dissipar os fundos
da subscrição a favor de Miguel,
nalguns casos em proveito próprio. Era verdade que Saraiva tinha pago dívidas
pessoais com dinheiro da subscrição. No entanto, não terá tido intenção dolosa.
Roma não deixou de anotar a irregularidade do seu comportamento, pois não havia
solicitado a devida autorização, mas reafirma-lhe, com veemência, a sua
confiança. A acusação movida por Alpoim era, sem quaisquer dúvidas,
politicamente inoportuna, dado que podia trazer o descrédito do Centro de
Londres. Desde logo o clima de incerteza tinha provocado, nalguns casos, a suspensão
dos trabalhos de organização. Foi o que fez António Taveira Pimentel Carvalho a
partir de Viana do Castelo, embora logo a seguir reafirmasse a sua lealdade a
Ribeiro Saraiva, reprovando o comportamento de Alpoim.
Se é certo que esta ruidosa dissidência acabou por ser esvaziada, a unidade
permanecia como problema geral do campo realista e afectava, seriamenÍe, a
eficácia das iniciativas tendentes a viabilizar as bases de uma estrutura de
intenção conspiratória. Na opinião de Vilar de Perdizes os louváveis propósitos
de harmonia e unidade reconhecidos por todos, e reclamados com insistência de Roma,
só podiam ser conseguidos através da presença regulanzadora da autoridade
estabelecida:
Criado hum centro, adoptada uma
pollitica, estabelecido hum sistema é mister, é forçozo segui-lo - ou perder-se
- com esta conduta tudo se perde, e aniquilla, é impossivel chegar ao nosso
fim, e n'esse caso o compermettimento é inutil.
Desta forma, o ritmo dos trabalhos preparatórios da projectada insurreição
miguelista tinha de ser lento, ainda que não uniforme. Lisboa isolava-se, de
certo modo, neste processo, absorvida nas querelas e debates de liderança. A
província assumia um papel absolutamente fundamental. O seu ritmo era outro. A
ausência de sintonia com a capital é quase completa. Sentir-se-ão, por assim
dizer, abandonados. Todavia, o seu entusiasmo tornava-se exigente. O
empenhamento crescente dos notáveis das províncias do Norte do reino no plano
de organização sediciosa da Restauração impunha à J.N. a urgência de promover a
criação sistemática e coordenada de juntas locais. Esta pressão
intensificar-se-ia a partir de Junho de 1844,
dando lugar a uma proposta concreta de disseminação de Juntas Directorias, da autoria de Cândido Figueiredo Lima (Setembro
de 1844).
Contudo, esta pulsação das áreas regionais decorria numa altura em que o contexto
peninsular, encarado como de hegemonia de Luís Filipe França, não era
considerado oportuno para estabelecer uma organização regular. Era esta
a indicação de Roma, datada de 3 de Janeiro de 1845». In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa
Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN
972-8288-80-8.
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