sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

História no 31. A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847). José Brissos. «Criado hum centro, adoptada uma pollitica, estabelecido hum sistema é mister, é forçozo segui-lo - ou perder-se - com esta conduta tudo se perde, e aniquilla, é impossivel chegar ao nosso fim, e n'esse caso o compermettimento é inútil»

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A Montagem de uma Conspiração. Debates de Comando e Direcção
«(…) O magno problema da unidade dos miguelistas não era sentido apenas no reino. Com efeito, entre os exilados ou emigrados as clivagens pessoais tinham uma presença especial que, nalguns casos, afectava o plano de Restauração em Portugal. Era o caso da desinteligência entre António Ribeiro Saraiva e Francisco Alpoim Menezes que, sendo anterior, teve especial incidência a partir de 1843. A missão de Alpoim em Londres no início de 1843, a ter em conta as sempre boas e conciliadoras intenções do visconde de Queluz, não colidiria com as funções de Ribeiro Saraiva, podendo até facilitá-las, dado que, vindo de Roma, Alpoim conhecia bem o pensamento de Miguel. O quadro de colaboração não seria tão idílico e Alpoim começou por estabelecer um conjunto de correspondências para o reino, à revelia dos canais estabelecidos por Saraiva e expressando pontos de vista diversos dos oficiais. A desinteligência entre os dois não se fez esperar. Não deixou de ter efeitos nocivos nos esforços de organização e unidade em curso na época, pois instaurava um clima de incerteza no já complexo meio miguelista.
Era mais um elemento negativo numa altura em que se procurava estabelecer um diálogo entre o grupo eleitoral (Caetano Beirão) e o de intenção conspiratória. Nestas condições a reconciliação entre Ribeiro Saraiva e Alpoim, ainda que meramente táctica, afigurava-se como indispensável para o andamento da causa. Isso foi reconhecido, mutuamente, pelos dois caudilhos miguelistas. Para consolidar esse acordo, Alpoim passa a fazer parte do Centro de Londres, enquanto permanecesse nesta cidade. O arranjo seria, apesar de tudo, precário, pois Alpoim não deixou de enviar correspondências para Lisboa, de notória acção corrosiva da influência do Centro de Londres. Todavia, o seu prestígio na capital era, ao que parece, nulo. O seu comportamento causava a maior reserva aos chefes miguelistas, pois tal presença epistolar era prejudicial à causa. Na província sentiam-se igualmente os perigos destas rivalidades e caprichos que nos perdem, procurando-se impedir a sua divulgação.
Alheio a estas preocupações Alpoim prosseguia a sua campanha contra Ribeiro Saraiva, fazendo-lhe acusações gravíssimas, como a de dissipar os fundos da subscrição a favor de Miguel, nalguns casos em proveito próprio. Era verdade que Saraiva tinha pago dívidas pessoais com dinheiro da subscrição. No entanto, não terá tido intenção dolosa. Roma não deixou de anotar a irregularidade do seu comportamento, pois não havia solicitado a devida autorização, mas reafirma-lhe, com veemência, a sua confiança. A acusação movida por Alpoim era, sem quaisquer dúvidas, politicamente inoportuna, dado que podia trazer o descrédito do Centro de Londres. Desde logo o clima de incerteza tinha provocado, nalguns casos, a suspensão dos trabalhos de organização. Foi o que fez António Taveira Pimentel Carvalho a partir de Viana do Castelo, embora logo a seguir reafirmasse a sua lealdade a Ribeiro Saraiva, reprovando o comportamento de Alpoim.
Se é certo que esta ruidosa dissidência acabou por ser esvaziada, a unidade permanecia como problema geral do campo realista e afectava, seriamenÍe, a eficácia das iniciativas tendentes a viabilizar as bases de uma estrutura de intenção conspiratória. Na opinião de Vilar de Perdizes os louváveis propósitos de harmonia e unidade reconhecidos por todos, e reclamados com insistência de Roma, só podiam ser conseguidos através da presença regulanzadora da autoridade estabelecida:

Criado hum centro, adoptada uma pollitica, estabelecido hum sistema é mister, é forçozo segui-lo - ou perder-se - com esta conduta tudo se perde, e aniquilla, é impossivel chegar ao nosso fim, e n'esse caso o compermettimento é inutil.

Desta forma, o ritmo dos trabalhos preparatórios da projectada insurreição miguelista tinha de ser lento, ainda que não uniforme. Lisboa isolava-se, de certo modo, neste processo, absorvida nas querelas e debates de liderança. A província assumia um papel absolutamente fundamental. O seu ritmo era outro. A ausência de sintonia com a capital é quase completa. Sentir-se-ão, por assim dizer, abandonados. Todavia, o seu entusiasmo tornava-se exigente. O empenhamento crescente dos notáveis das províncias do Norte do reino no plano de organização sediciosa da Restauração impunha à J.N. a urgência de promover a criação sistemática e coordenada de juntas locais. Esta pressão intensificar-se-ia a partir de Junho de 1844, dando lugar a uma proposta concreta de disseminação de Juntas Directorias, da autoria de Cândido Figueiredo Lima (Setembro de 1844). Contudo, esta pulsação das áreas regionais decorria numa altura em que o contexto peninsular, encarado como de hegemonia de Luís Filipe França, não era considerado oportuno para estabelecer uma organização regular. Era esta a indicação de Roma, datada de 3 de Janeiro de 1845». In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN 972-8288-80-8.

Cortesia de Colibri/JDACT