Prefácio
«(…) Todo o mundo é
minha pátria. Todo o homem é meu irmão. Mas só em ti, ó minha terra, melhor
saboreei o genuíno afago do pátrio amor. Como nos conterrâneos meus melhor
senti os dotes da progenitura do que em qualquer outra fraternidade a que doido
me abraçasse!… Há coisas que sinto, mas que não entendo. E tanto sinto de ti
quão assim pouco o sei expressar. No corpo com que me despeço, me fica a alma
em teu regaço. Sê tu, pois, o berço da minha eterna felicidade.
Uma reflexão sobre as fontes. O destino dos bens de Santo Tirso, após
a extinção
Encerrados os mosteiros,
em 1834, foram os seus bens
incorporados na Fazenda Nacional. Logo se seguiria a fixação dos destinos a que
iriam ser sujeitos os valores de que as casas religiosas se compunham. O mosteiro de Santo Tirso, quanto
às propriedades imobiliárias, foi dividido em duas partes: os prédios rústicos
e os urbanos. Diviserunt sibi vestimenta mea… Os primeiros foram
vendidos, em 1839, ao cunhado do ministro
Passos Manuel, o comendador José Pinto Soares, que Camilo tanto iria
ridicularizar. Parece-me que sem exagero… Os edifícios, esses iriam ser
repartidos em três fracções: a galeria reservada às repartições públicas do
novel concelho de Santo Tirso; a igreja, o primeiro claustro e o dormitório
próximo das escadas que conduziam ao Coro-alto, para a freguesia. O resto, os
três claustros e galerias envolventes, afora pequenas secções que foram dadas à
paróquia, destinar-se-ia a venda, que o mesmo comendador arremataria em 1842.
Quanto aos bens móveis,
pratas, peças de mobiliário, dinheiros livros…, incorporados na Fazenda Nacional,
é possível que muitas destas coisas viessem a ser postas a salvo e escondidas
pelos frades, junto de pessoas de confiança. Prevendo o facto, a lei instituíra
a figura jurídica do delator, espécie de cão, de faro bem apurado, que
levantasse a lebre onde quer se descobrisse. Ora o cão dos bens de Santo Tirso
veio de Moncorvo. Longe lhe cheirariam as joias dos nossos monges. E o Manuel
José, assim se chamava o felino, levantou a lebre na Casa de
Singeverga. Uns 50 ou 60 anos antes desta grande unidade de lavoura ter
sido doada aos beneditinos. Não sei se as joias do extinto mosteiro de Santo
Tirso estavam ou não escondidas. O facto é que a denúncia, só por si, parece
supor relações de amizade entre esta casa de lavoura e os religiosos, o que era
efectivamente verdade. Até porque um ex-beneditino, vítima da exclaustração,
ficara exercendo a sua acção pastoral na freguesia de Roriz. E, com
certeza, que o tal beneditino e, possivelmente, outros mais, estabeleceria laços
de amizade com famílias de Roriz e doutras paróquias também. Dizia o
caça-tesouros Manuel José ao Governo Civil do Porto:
- Manoel José Alves de Moura, morador na freguesia de Móz Julgado de Moncorvo vem denunciar à Fazenda Nacional os seguintes bens que a mesma pertencem, com o protesto de haver em seo beneficio o que a Lei marca que são os seguintes; as joias e moveis ricos e alguns dinheiros do extincto Convento de Santo Thirso guardados pelo então Abbade do dito Convento Frei José do Espírito Santo (O homem andava mal informado da história, que só para o dinheiro tinha faro. O último abade de Santo Tirso fora Joaquim de Santa Rosa) achão-se guardados na Casa de Singeverga na freguesia de Roris do dito Julgado de Santo thirso…
Pois, no dito despacho
poderia ler-se: recebido às onze horas do dia d’hoje: registese e
proceda-se as deligencias ordenadas no Decreto de 10/I/1837. Porto 14 de Setembro
de 1847. Conde de Penamacor. Quanto
aos livros da biblioteca, e era rico o seu recheio!, estes foram para a Biblioteca
Pública do Porto. E cedo… Temos a nota da despesa do transporte ao seu destino:
30 de Setembro 1835 Mosteiro de Santo Thirso. Por conducção da livraria para
a Biblioteca Pública conforme a Conta, 5.300. Assim, o destinatário dos livros não foi comendador Passos que,
de bom grado, renunciaria àquilo de que ânsia nunca tivera. Antes a Biblioteca
Municipal do Porto. Pois, no que toca aos prédios, sabemos do jogo sujo dos
políticos que tudo fizeram para canalizar, ao mais baixo preço, as quintas e a
parte vendável do edifício conventual para as mãos do comendador Passos, o
cunhado do ministro Passos Manuel. No referente a joias e dinheiro, sabemos da
boca hiante do erário público que, à custa da igreja e, especialmente, dos
pobres frades, gosta de saciar a fome do bandulho do seu despesismo
insatisfeito. Do arquivo monástico ainda não veio ao meu conhecimento o
paradeiro a que arribara. A não ser que, confundido o seu recheio com o da biblioteca,
fossem também os códices e pergaminhos parar à dita Biblioteca Municipal do
Porto, onde, de facto, ainda hoje, se encontram livros manuscritos e documentos
do nosso mosteiro.
Os manuscritos
Em 10 de Agosto de 1789, suponho eu, numa carta
dirigida ao abade Correia Serra, dirá João Pedro Ribeiro:
- (...) todos os Cartorios de Lisboa não valem hum desta Provincia, porque precizando-se mais que tudo de Documentos anteriores á Monarchia, não he aqui que se hão de achar mas sim por estes sitios. O Cartorio do Cabido de Coimbra, Porto e Braga dos Mosteiros de S. Thirso, Pombeiro, Refoyos Arnoya; os Cistercienses em que Frei Joaquim trabalhou sabe Deus como; tudo offerece hum Campo vasto e que pede se lhe não tirem Obreiros. Estes, (e eu seria o mesmo), perdem-se em Lisboa, onde as diversoins alheiam de trabalhos fastidiosos».
In Francisco Carvalho Correia, O Mosteiro de Santo Tirso, de 978 a 1588, A
silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária, Tese de doutoramento, Facultade
de Xeografía e História, Universidade de Santiago de Compostela, Estudo, Santiago de Compostela, ISBN 978-849-887-038-1.
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