quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Espaço Poder e Memória Catedral de Lamego, séculos XII a XX. Maria do Rosário B. Morujão. « A situação das dioceses do interior beirão não mudou, porém, com as alterações políticas sofridas; pelo contrário, a sua subordinação a Coimbra foi ratificada pela bula “Apostolicae Sedis”»

Cópia da bula Apostolicae Sedis, 1101
Cortesia de wikipedia 

A reconquista da cidade e a primeira tentativa de restauração da diocese
«(…) Em Coimbra, a restauração da diocese, que fora planeada por Fernando Magno e Sesnando, só se verificou com Afonso VI, que, pelo ano de 1080, colocou na cátedra da cidade o bispo Paterno. Coimbra foi, pois, a única das três sedes episcopais portuguesas reconquistadas por Fernando Magno a conhecer uma efectiva restauração, tendo Paterno sido seguido por toda uma série de prelados, numa sucessão ininterrupta que vem até aos nossos dias. Em Lamego e Viseu, pelo contrário, foi necessário aguardar por meados do século XII para haver prelados nas suas cátedras, tendo ambas as dioceses ficado, entretanto, subordinados à autoridade da Sé de Coimbra.
 
A dependência face a Coimbra
A subordinação destes dois bispados à diocese de Coimbra prendeu-se com vários factores. Em primeiro lugar, há que ter em conta a importância primordial que esta cidade então assumia. Antiga sede de condado, mantivera essa primazia ao ser entregue a Sesnando; a sua conquista transformou-a em guarda avançada da fronteira meridional com os muçulmanos no extremo ocidente hispânico, papel que desempenhou até à passagem da linha fronteiriça do Mondego para o Tejo, em 1147. Coimbra exercia, pois, nas décadas finais do século XI, uma hegemonia incontestada no território governado por Sesnando, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista estratégico e militar. A sua hegemonia eclesiástica seria também desejada pelo conde moçárabe, que não veria qualquer vantagem em menorizar a importância da cidade com a restauração de mais dioceses no interior do condado. Importava mais, ao invés, manter o poder eclesiástico sobre toda a região concentrado nas mãos de um único prelado, Paterno, com quem Sesnando tinha uma relação de grande proximidade, e utilizar os rendimentos de Lamego e Viseu para colmatar a as necessidades de Coimbra, que tinha ainda boa parte dos seus territórios sob domínio árabe.
Depois da morte de Sesnando, em 1091, o governo do condado passou para seu genro, Martim Moniz, sendo poucos anos depois entregue pelo imperador Afonso VI a Raimundo, e, em 1096, a Henrique, passando então a integrar o recém-formado Condado Portucalense [acerca das circunstâncias da sucessão de Sesnando e da vinda para a Península Ibérica destes dois cavaleiros da Borgonha a quem veio a ser entregue o governo do ocidente peninsular, ler O condado portucalense; Portugal no reino Asturiano-Leonês; Dois séculos de vicissitudes políticas. A emergência de uma unidade política e a conquista da autonomia (1096-1139)]. A situação das dioceses do interior beirão não mudou, porém, com as alterações políticas sofridas; pelo contrário, a sua subordinação a Coimbra foi ratificada pela bula Apostolicae Sedis, outorgada pelo papa Pascoal II, a 24 de Março de 1101, a favor do bispo Maurício Burdino, bula essa que, curiosamente, foi a primeira carta pontifícia destinada a um prelado conimbricense. O governo das dioceses dependentes seria feito por intermédio de arcediagos ou priores, assim se tem dito, como se os termos fossem sinónimos. Comecemos por perceber as diferenças entre uns e outros, para depois vermos o que nos dizem as fontes a este respeito.
A designação de prior, nesta época, em Coimbra, e centramo-nos em Coimbra por ser o espaço que nos importa de momento, mas o essencial do que for dito é válido para as outras dioceses do reino, incidia sobre aquele que presidia ao cabido, e que veio mais tarde a ser chamado deão. De acordo com as mais antigas informações acerca da organização capitular da catedral de Coimbra, em finais do século XI, o prior, escolhido de entre os cónegos, tinha a seu cargo a administração patrimonial, assim como funções que vieram a ser atribuídas ao mestre-escola e ao tesoureiro. Segundo os estatutos de 1127, o prior era o encarregado dos mais diversos aspectos da vida material e litúrgica da comunidade canonical ligada à Sé. Os arcediagos, por seu turno, eram os oculi episcopi (os olhos do bispo), encarregados de o coadjuvar na administração dos territórios diocesanos, visitando-os em seu nome, julgando querelas, prolongando a sua acção pastoral. Encontram-se documentados na diocese desde cerca de 1090; mas é difícil perceber se têm ou não alguma relação com o governo de Lamego e Viseu.
Na verdade, a presença dos delegados de Coimbra na administração destas duas dioceses é muito difícil de captar. Assim nos mostra, claramente, o exemplo do mosteiro de Arouca, a instituição monástica do bispado de Lamego que maior número de documentos conservou: em 93 diplomas referentes ao período de subordinação a Coimbra, um só faz menção clara à existência de um arcediago à frente do governo de Lamego; precisamente o mesmo que, entre todos os documentos conhecidos outorgados pelos condes portucalenses e por Afonso Henriques, é o único a indicar expressamente os agentes da diocese de Coimbra naqueles dois bispados». In Maria do Rosário B. Morujão, Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX, Coordenação de Anísio Miguel Sousa Saraiva, Estudos de História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0.
 
Cortesia da UCPortuguesa/JDACT