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O treino e a formação dos comandantes militares na Idade Média
«(…) É precisamente a partir de finais de Duzentos que os desportos marciais,
designadamente os torneios, parecem adquirir uma maior expressão e visibilidade
nos reinos cristãos peninsulares, consequência provável da diminuição da
actividade bélica resultante da conquista do Algarve, em 1249, no caso português, e da queda de Sevilha, em 1248, no caso castelhano-leonês. Mas é
sobretudo durante o século XIV, isto é, numa altura em que, para 1á dos
Pirenéus, os torneios começavam a perder boa parte da sua importância e mesmo a
cair em desuso, que, tal como em Castela, surge o maior número de referências à
sua realização em Portugal. Recordemos alguns exemplos, como o que se realizou
em 1383, em Badajoz, aquando do
casamento de Juan I e de D. Beatriz, filha do infante Fernando e herdeira do
trono português; o que decorreu no Porto na véspera de São João de 1384 e em que os participantes usaram
apenas protecções de cabeça e espadas; ou ainda o que teve lugar também nesta
mesma cidade, aquando das bodas de João I com D. Filipa de Lencastre, em
Fevereiro de 1387.
Contudo, no momento em que começam a ganhar maior popularidade no
espaço ibérico, os torneios surgem quase sempre associados a um outro tipo de
actividade paramilitar de popularidade crescente: a justa. Ao contrário do torneio, que era um autêntico
desporto de equipa, a justa
consistia num duelo a cavalo entre dois combatentes munidos de uma lança, o que
dava uma maior visibilidade aos intervenientes, cujas proezas podiam ser mais
facilmente observadas e apreciadas. O combate disputava-se quase sempre numa
rua ampla, como a Rua Nova, em Lisboa, num a praça pública, um num terreno
descampado nas imediações de um castelo ou de uma vila, conhecido por liça e delimitado no solo por
estacas de madeira. Em volta deste recinto, erguiam-se os palanques e as
bancadas destinadas ao público que, em massa, acorria a estes eventos. O objectivo
da justa consistia em atingir
o adversário com a lança e, se possível, derrubá-lo da sela, com os cavaleiros
a cruzarem-se um número pré-estabelecido de vezes (habitualmente três).
O vencedor era encontrado, por decisão dos juízes, em função do número de
lanças estilhaçadas, do número de golpes certeiros que havia desferido e do
local onde tinha acertado.
Apesar de, a pouco e pouco, conseguirem ganhar autonomia e um espaço
próprio, as justas eram
geralmente organizadas em articulação com os torneios, servindo quase sempre
como uma autêntica cerimónia de abertura e/ou de encerramento desses eventos,
como nas celebrações do casamento de João I com D. Filipa de Lencastre, em 1387, ou nas festas que este mesmo rei
organizou em 1401 aquando do
casamento do seu filho Afonso, com D. Beatriz, filha de Nuno Álvares Pereira. Porém,
muitas das vezes tinham lugar autonomamente e sem que existisse essa associação
a um torneio, como por exemplo, em 1373
durante os festejos do casamento de D. Beatriz Castro com Sancho, irmão do rei
de Castela, Enrique II; ou dez anos depois, em Elvas, durante a preparação do
casamento da herdeira do trono português com o rei castelhano, Juan I.
Na Península Ibérica, nomeadamente em Portugal, assiste-se também,
durante a centúria de Trezentos, a uma crescente divulgação dos tavolados que, à semelhança das
justas, eram muitas vezes praticados em articulação com os torneios. O jogo
consistia em arremessar uma lança contra um alvo, colocado num local elevado,
que se pretendia derrubar. São, pois, diversas as indicações que atestam a prática
e a divulgação destes desportos marciais em território português, sinal
evidente da sua popularidade. Aliás, pensamos mesmo que as referências
registadas pelas fontes narrativas não transmitem mais que uma pálida imagem daquilo
que era a realidade e que, como nos parece, não se limitava ao universo da
nobreza. Para isso aponta, por exemplo, o documento de 1391 que revela que em Lisboa, quando
casava alguma filha de cavaleiro ou de algum cidadão que os moradores dela lançavam
a tavolado e justavam. E seriam de tal forma correntes que, em 1402, o concelho da capital, em carta
dirigida a João I, solicitava autorização para retirar os esteios da Rua Nova,
porque empacham as ditas ruas muito fortemente
em tal maneira que às vezes quando se fazem alguns jogos topam cavalos e bestas
neles e recrescem cajões. Muitas vezes estas competições realizadas em
meios urbanos eram organizadas para assinalar de forma festiva a chegada da
corte régia a uma determinada localidade, como em Lisboa, ocasião para os mercadores e cidadãos, defrontarem os da corte por festa. Competições
semelhantes eram realizadas noutras localidades do reino, nomeadamente em
Guimarães, onde a prática habitual do jogo do tavolado levou a que o local onde se realizava ficasse conhecido,
precisamente, como o campo do tavolado,
topónimo que se regista também em Chaves e na Atouguia». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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