Nas pisadas do pai
«Notável cavaleiro, como lhe chama o cronista Gomes Eanes de Zurara, Álvaro
Vaz de Almada era oriundo de uma família lisboeta profundamente
envolvida no grande comércio marítimo internacional, pelo menos desde os tempos
do seu avô, Vasco Lourenço de Almada. A projecção conseguida por este mercador,
sobretudo durante os reinados de Pedro I e de Fernando I, consolida-se através
dos seus filhos Antão Vaz e João Vaz de Almada, figuras que, logo em finais de 1383, imediatamente após a morte d'O Formoso, apoiaram o Mestre de Avis
contra as pretensões de D. Beatriz e Juan I de Castela. Foi aliás esta relação
de grande proximidade que possibilitou à linhagem afirmar-se ao longo de todo o
reinado de João I, como uma das mais importantes de Lisboa, com Antão Vaz a
ascender em 1385 ao lugar de alcaide-mor
da capital e João Vaz a desempenhar as prestigiantes funções de embaixador e de
conselheiro do rei. No âmbito da sua actividade como mercador, que parece não
ter nunca abandonado, seguindo assim as pisadas do pai, João Vaz de Almada terá
desde cedo mantido relações privilegiadas com Inglaterra, eventualmente como
fornecedor da Casa Real durante os reinados de Henrique IV (1399-1413)
e de Henrique V (1413-1422).Todavia, tudo indica que esse relacionamento se
expressou também no plano militar, muito provavelmente através da
disponibilização de transporte naval aos exércitos ingleses, como o que em 1412 atravessou o Canal da Mancha
comandado pelo duque de Clarence. É igualmente verosímil que esses navios
possam, de alguma forma, ter estado envolvidos nos raides lançados, entre 1400
e 1410, contra a costa da Normandia, um período marcado por inúmeras
acções de pirataria conduzidas com o apoio da Coroa inglesa e nas quais é
possível que as embarcações de João Vaz tenham também participado. A reforçar
esta ideia de uma grande proximidade entre o Almada e a Inglaterra, recorde-se
que foi ele o embaixador designado por João I para preparar o casamento entre a
infanta D. Beatriz e o conde de Arundel, em 1406, e, mais tarde, para tratar da aquisição de diversos carregamentos
de trigo destinados a Portugal, tendo sido também ele a negociar junto de
Henrique V em Setembro de 1414, a
contratação de 400 lanças de cavalaria destinadas à campanha de Ceuta, que
então se preparava.
E não é apenas nesse aspecto que João Vaz desempenha um papel
importante na organização da expedição de 1415,
sendo mesmo um dos poucos, para além do círculo restrito dos conselheiros do
rei e dos infantes, que tinham conhecimento do destino da frota, para a qual
terá contribuído, pelo menos, com uma das galés de que era proprietário. Tratava-se,
no entanto, de um navio habitualmente utilizado no transporte de mercadorias,
motivo pelo qual, como refere Gomes Eanes de Zurara, tinha um cheiro extremamente
desagradável, ao ponto de o infante Duarte decidir mudar para uma outra
embarcação logo no início da viagem.
Quem também parece ter estado, de alguma forma, envolvido na preparação
dessa campanha, foi o seu filho Álvaro Vaz que, em Janeiro de 1415, obtinha de Henrique V de
Inglaterra, tal como o pai no ano anterior, a isenção de direitos sobre os seis
arneses completos e sobre as 350 lanças de cavalaria recrutadas em Inglaterra
e que se supõe destinarem-se àquela mesma expedição. Álvaro Vaz, que então
teria perto de 20 anos de idade, participará igualmente, com o seu irmão Pedro,
na conquista de Ceuta, tendo sido aí que ambos, à semelhança do que sucedeu com
muitos outros guerreiros mais jovens, foram armados cavaleiros; Pedro Vaz pela mão
do infante Henrique e Álvaro, pelo infante Pedro, de quem viria
a tornar-se um companheiro inseparável e de quem é possível que fosse já uma
figura relativamente próxima. Terá sido por esta altura, isto é, pouco depois
de 1415, que tiveram lugar os
conflitos entre João Vaz de Almada e Gonçalo Peres Malafaia, ou mais
provavelmente com o pai deste, Pedro Gonçalves, vedor da Fazenda desde 1416 e também ele conselheiro de João I.
Ainda que se desconheçam os factos que os originaram, sabe-se que terminaram numa
rixa durante a qual o Malafaia foi violentamente agredido. E foi precisamente
na sequência deste episódio que João Vaz se exilou em Inglaterra, para onde
terá ido na companhia dos dois filhos, Pedro e Álvaro.
O capitão mercenário
A contas com a justiça régia, João Vaz acabará por morrer sem nunca ter
voltado a Portugal, tal como o seu filho Pedro que, ao serviço da Coroa
inglesa, ainda participou em alguns episódios da segunda fase da Guerra dos
Cem Anos, designadamente no cerco inglês a Rouen, entre Julho de 1418
e Janeiro de 1419, e, por fim, num combate nas imediações de Baugé, em Março
de 1421,
onde veio a perder a vida. Talvez por não ter já qualquer motivo
suficientemente forte para permanecer fora do reino, pouco depois destes
acontecimentos, Álvaro Vaz está já de regresso a Portugal». In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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