Ruínas (Paralelo)
«Ali naquelas ruínas onde predomina a plácida austeridade dum claustro
a desoras; onde os silfos áugures se confundem numa mesma nota de tristeza;
onde tudo infunde respeito, o sol entra quase que timidamente e os fios de luar
escoam-se num religioso sorriso de monja em adoração... A madressilva em feixes
mal unidos e a congossa em tapete desordenado, vegetam aqui e ali. As ervas
pelas paredes em mortal decadência, onde se distinguem os vestígios das lutas
com o tempo e com a seta, enroscam-se como serpentes enraivecidas, ao que resta
duma passada fortaleza.
E de quando em vez uma pedra que cai, produz na queda um som triste e é
nova angústia para aquele castelo que outrora se defendia defendendo a pátria,
das hostes inimigas, nobremente, gloriosamente, tendo por égide a honra, por
ceptro o valor. - Oh passado, passado! - Em cada uma de tuas páginas está
indelevelmente traçada uma acção que a memória 1ê, um feito que a imaginação
representa! Contigo repousam esses valorosos soldados em cujos seios robustos,
seio d'aço e agitava a alma dum herói! E essa alma tinha por sonho constante o
combate e a justiça!
E essa alma clamava com todas as suas forças: Pátria ou morte! E essa
alma era forte, pura, e jamais se confessava vencida! Era o que parecia dizer
aquele castelo na sua mudez, na sua materialidade. Porque ele tudo viu... E
quantas lágrimas e sorrisos, e quantos gritos de prazer e dor, retumbaram em
seus recantos... Mas hoje é um montão de ruínas. Como é poético ver o aspecto
sombrio que as reveste, à hora em que o sol desmaia ao longe e se esconde após
o último beijo de luz.
E, eu, ao vê-las surgiu-me em frente o implacável fantasma do passado,
o trocista do presente, e senti a alma agitar-se pressurosamente em tétricas
convulsões, como numa agonia desesperadíssima... É que a minha alma também está
em ruínas...» In José Duro Júnior, Portalegre, 18-7-1894, Diário de Elvas, nº 319,
20-7-1894.
Túnica desmaiada (A minha vizinha)
«Sempre nos lábios aquele sorriso doce, muito doce duma magia infinita,
feito de pedaços d'amor fugindo à ardência íntima que devora o âmago da alma:
que recorda o sorriso de borboleta alequeando doidamente as asitas cetinosas,
bordadas, à claridade da manhã... Sempre no olhar aquela meiguice de coração, a
transparecer, a seduzir castamente em transportes de luz e poesia... Quando a
vejo, adornada co'a sua toilette
cor-de-lilás que lhe põe relevo distintamente as formas divinais, fico-me a
cismar horas e horas se foi mulher, anjo ou silfo aéreo, quem de modo tão sedutor impressionou a minha Fantasia
de Poeta... E, do deslumbramento que me invade, nascem mil devaneios, mil
desejos...
Esvaiu-se o sonho no mar da Reflexão. Não for anjo que eu vi; d'há muito que eles fugiram da Terra, se é que cá
os houve?! Silfo, também não; porque
esses perderam com a Lenda o prestígio que embalava a antiguidade! Foi mulher
sim! Mulher que deslumbra quando adornada co'a sua toilette cor-de-lilás, espécie de túnica desmaiada que lhe aperta as formas como a elegância requer e
o bom tom exige... Foi mulher sim! E
tanto mais que, agora me recordo, já lhe ouvi dizer: Eu alimento-me d'a dor...»
In In
José Duro Júnior, Portalegre, 28-7-1894, Diário de Elvas, nº 331, 3-8-1894.
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