terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Entre duas civilizações. O universo de leituras em Wenceslau Moraes. Maria Margarida Capitão. «Qual a importância da escrita diária, dos relatos de viagens ou apontamentos das observações, para o ensino de uma língua e de uma cultura? É ou não a escrita de Wenceslau Moraes um mito, no sentido de epopeia? Serão as suas obras reflexo de um mero conhecimento enciclopédico?»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«O presente estudo das obras Traços do Extremo Oriente e Notícias do Exílio Nipónico de Wenceslau Moraes, terá por objectivo reflectir sobre a importância da técnica do documentário em literatura, como forma de descobrir e dar a conhecer outras culturas diferentes da nossa. Neste sentido, as suas obras são de extrema importância a nível cultural e enquanto reflexo do pensamento português no mundo e sobre o mundo; encontramos em cada palavra sua o cruzamento de ideias e de história, de imaginários e realidades. A importância da abordagem deste autor aquando do ensino do português deverá ser feita, não apenas à luz de todo um passado de conhecimento e de relação entre Portugal e o Japão mas, principalmente, através do olhar interessado, de amadurecimento e de profunda reflexão que o autor nos oferece. Actualmente, é cada vez mais importante documentar, revelar, dar a conhecer todas as realidades que nos circundam e aprender a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, a acolher o outro sem imagens pré-concebidas, a respeitar as diferenças e a compreender novos pontos de vista. Neste aspecto, Wenceslau Moraes foi um verdadeiro humanista. A presente dissertação procura responder às seguintes questões:
  • Qual a importância da escrita diária, dos relatos de viagens ou apontamentos das observações, para o ensino de uma língua e de uma cultura? 
  • É ou não a escrita de Wenceslau Moraes um mito, no sentido de epopeia? 
  • Serão as suas obras reflexo de um mero conhecimento enciclopédico? 
  • Afinal, o que será ensinar, tendo como imagem a figura de Wenceslau Moraes?
Introdução. Entre Duas Civilizações. A Entrega a Esse Outro que me torno EU
Não é apenas o Oriente visto pelos olhos de um ocidental. É o Oriente vivido, o Oriente sentido primeiramente a nível físico, para ser depois incorporado espiritualmente. Wenceslau Moraes, longe da figura do heróico marinheiro e conquistador vaidoso, é a imagem sublime do viajante humanista. Enquanto oficial da armada portuguesa passou por Moçambique, por Timor, leccionou no liceu em Macau e foi cônsul no Japão, onde viria a terminar os seus dias. As obras de Wenceslau Moraes são de extrema importância a nível cultural e enquanto reflexo do pensamento português no mundo e sobre o mundo. Encontramos em cada palavra sua o cruzamento de ideias e de História, de imaginário e realidade.

A Temática
O que inicialmente poderia ser um comum relato de viagens torna-se testemunho do destino de um português que adopta uma cultura e costumes diferentes da terra onde nasceu. A sua escrita vai evoluindo com o conhecimento e a entrega a este novo mundo. Os textos, enriquecidos com descrições cada vez mais vivas e sensitivas, transportam o leitor para esta terra distante. Este relato é feito ao estilo de um diário ou registo de correspondência. Não deverá ser lido de uma forma fugaz, é preciso saborear, sentir os cheiros, deixarmo-nos embrenhar nas cores e no ambiente desta civilização tão distante do mundo ocidental, e que desde sempre seduziu os espíritos mais inquietos com imagens de um cenário idílico e quente. Quase que sentimos os cheiros dos cozinhados e dos odores corporais, quase que nos sentimos perdidos no meio daqueles verdadeiros enxames de gente. A época de Wenceslau caracteriza-se nas artes plásticas pelo impressionismo, e na literatura pelo naturalismo e realismo. Apesar de ao longo da sua vida se ter afastado e criticado o modo de vida ocidental, e consequentemente ter-se retirado também desse meio cultural pela distância física, estas correntes são de alguma forma visíveis na sua escrita de carácter autobiográfico, relatando as suas experiências e vivências, descrevendo também a vida, a cultura e os costumes nipónicos. As obras em estudo são uma verdadeira prova de que a sua escrita, mais do que factual, é apaixonada, repleta de sensações visuais, apelando ao esgotamento dos sentidos.
Os seus textos, todos eles datados, podem ser vistos como documentários, curtas-metragens que fixam instantâneos do quotidiano vivido, através dos quais o autor retrata com elegância a paisagem idílica, venera a musumé (mulher japonesa) e descreve a perfeição artística do Japão. Através desta escrita-documentário o autor consegue captar momentos verdadeiramente singulares, transportando o leitor da realidade, através da palavra escrita, para um imaginário visual. Nem sempre esta viagem é feita de belas paisagens e alegres encontros. A temática do exílio e da saudade é recorrente nos seus escritos, sentimentos presentes naquele que deixa a sua pátria para se descobrir numa outra. No prefácio à 1ª edição de Janeiro de 1895, escreve o editor seu amigo, Vicente Almeida d’Eça sobre o autor: encontra-se em Wenceslau de Moraes a nota triste, a funda compreensão das misérias humanas, o fácil apanhar de um facto que a outros se afiguraria trivial mas que, bem estudado, encerra um mundo de considerações. Estas experiências pessoais são testemunhadas não apenas como factos, mas com o calor de quem sente o que vê. A escrita de Moraes é uma escrita auto-reflexiva em primeira pessoa, vivendo do espontâneo e da emoção. Sendo a palavra expressão do sentimento, tudo o que nos toca deve ser dito. O que é dito resulta da observação curiosa e do interesse do nosso viajante, que se torna simultaneamente espectador, pintor e juiz. Aqui, o sentido mais aguçado será a visão, as suas impressões fazem desenhar no nosso imaginário um perpétuo carnaval de usos exóticos. Quando conhecemos verdadeiramente o outro, torna-se incompreensível qualquer justificação para uma guerra. Neste aspecto, Wenceslau foi um verdadeiro humanista.

A Problemática
A escolha do tema provém da realização do trabalho prévio no seminário de Literaturas e Culturas dos Países de Língua Portuguesa. Como resultado do mesmo, foram-se levantando várias problemáticas, como a importância da escrita-documentário como material de estudo para o conhecimento e ensino de uma cultura e de uma língua; se serão ou não as obras de Moraes uma epopeia; se serão ou não as suas obras um conjunto de conhecimentos enciclopédicos; e finalmente, o que está por detrás do acto de ensinar tendo como imagem a figura de Wenceslau». In Maria Margarida Silva Faria Capitão, Entre duas civilizações. O universo de leituras em Wenceslau de Moraes, Dissertação de Mestrado, 2011, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2012.

Cortesia de FCSH/JDACT