Guerra
e cartografia
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Luís Serrão Pimentel (1613-1679) foi o grande
representante de uma linhagem de grandes cosmógrafos portugueses ao serviço do
Estado, tendo reunido os empregos de cosmógrafo-mor do reino, engenheiro-mor
do reino e tenente general da artilharia. Observa-se nas suas qualificações
como engenheiro e tenente de artilharia que, inicialmente, a actividade de
cosmógrafo abarcava também produzir conhecimentos úteis às actividades
militares, tais como planear fortificações, armamentos e produzir mapas para
auxiliar o deslocamento de tropas pelo território. Luís Pimentel ocupava o
cargo quando se deu a Restauração portuguesa, em 1640. A necessidade de organizar a defesa do reino para resistir às
tentativas de recolonização espanhola tornou-se premente. Para melhor preparar
um corpo de técnicos especializados, logo nas cortes reunidas em 1641, [Pimentel] propõe a criação de
uma aula de fortificação e arquitectura militar na Ribeira das Naus em Lisboa.
Como
no restante da Europa, a progressiva especialização do conhecimento
cosmográfico, separado do geográfico, também levou em Portugal à divisão do cargo.
Foi assim que Luís Pimentel, proprietário de um carácter hereditário, no
terceiro quartel do século XVII, o dividiu entre seus dois filhos: Manoel e
Francisco. O primeiro ficou como cosmógrafo e lente da aula de
Navegação, o segundo como engenheiro e lente da aula de Matemática. A
partir deste momento cosmografia e engenharia tornaram-se actividades relativamente
distintas em Portugal, mas fortemente conectadas (inclusive pelos laços
familiares dos detentores dos cargos de cosmógrafo-mor e engenheiro-mor). Ao
primeiro coube principalmente os conhecimentos relativos à navegação marítima e
ao segundo, os da arte militar e do território, ambos cada vez mais sob o primado
da matemática e da geometria. Monarca ilustrado, João V (1706-1750) promoveu uma
série de reformas no seu reinado. Uma delas abrangeu a reorientação na formação
de engenheiros militares, com a criação da Aula Régia de Fortificação
Militar em Lisboa. Os engenheiros militares eram os principais encarregados
de produzir uma cartografia de Estado e a Aula Régia formava os engenheiros
segundo os mais modernos métodos nas áreas de construção de fortificações, de
artilharia militar e da cartografia, constituindo um conhecimento cada vez mais
dominado pela geometrização e a matematização do mundo. Consoante com as novas
observações e medidas tomadas directamente no território, utilizava instrumentos
cada vez mais modernos e aperfeiçoados. Acompanhando essa mesma tendência de
especialização do conhecimento e universalização de seus métodos, aulas régias
de geografia, voltadas principalmente para as actividades militares, foram
criadas em várias cortes europeias nessa mesma época.
O
engenheiro Manoel Azevedo Fortes foi escolhido o primeiro regente da Aula Régia
de Fortificação Militar em Lisboa e, sob protecção régia, publicou manuais
técnicos que pretendiam orientar a formação dos engenheiros na maneira adequada
de produção das cartas, com vistas à uniformização das técnicas e uma linguagem
mais universal. Seus dois livros intitulam-se Tratado do modo o mais
fácil de fazer as cartas geográficas assim de terra como de mar, e tirar as
plantas das praças (1722) e O Engenheiro português
(1729).
Estes manuais pretendiam normalizar as formas de representação do espaço,
sugerindo, entre outros tantos temas, a adopção de símbolos geográficos mais
esquemáticos, as maneiras apropriadas e os instrumentos adequados para a tomada
das medidas dos terrenos, as formas como deveriam ser coloridos os mapas e a
maneira ideal de representar os acidentes geográficos. No contexto da criação
da Academia Real da História Portuguesa, Azevedo Fortes foi nomeado pelo
rei para se ocupar das questões de Geografia, reflexo da importância desse
conhecimento para a escritura da História. Afinal, esta se desenrolava no
interior de um espaço imperial que precisava ser mais bem conhecido, tanto o
reino, quanto as conquistas ultramarinas, sendo a confecção dos mapas um
importante instrumento para sua realização.
Apontando
para essa associação entre guerra e mapas, tendo como palco a Guerra da
Sucessão Espanhola, D’Anville desenhou um mapa das operações militares
portuguesas que ocorreram entre Almeida, em Portugal, e Ciudad Rodrigo, na
Espanha. A carta intitulada Carte des opérations militaires dans la
région située entre Alcantara et Almeida, autour de Ciudad Rodrigo,
ilustra o recuo progressivo do acampamento espanhol, o avanço das tropas
portuguesas comandada pelo 4º. marquês das Minas, António Luís Sousa, em direcção
ao território de Espanha, e o sítio montado ao redor de Ciudad Rodrigo, a
partir de 2 de Maio de 1706. Este
foi um episódio marcante na Guerra, pois nos dois anos anteriores, desde a
entrada de Portugal no conflito, as operações militares haviam sido
caracterizadas pelo avanço dos espanhóis sobre o seu território, o que devastou
as províncias das Beiras e do Alentejo». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra,
Diplomacia e mapas, a Guerra da Sucessão Espanhola, o Tratado de Utrecht e a
América portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v. 12, nº 23, 2011.
Cortesia
de Topoi/JDACT