Uma Infanta entre Castela,
Aragão e Portugal
A avó Beatriz de Castro, bastarda régia portuguesa
«(…) Nessa mesma ocasião, também se combinou o consórcio de uma filha ilegítima
de Fernando I, D. Isabel, com Alfonso Enríquez, bastardo de Enrique II e conde
de Gijón y Noreña (de que vieram a sair os Noronhas portugueses) e ainda
o da infanta D. Beatriz, herdeira do trono de Portugal, com Fadrique, conde de
Benavente, outro bastardo do rei castelhano, união que nunca chegou a efectivar-se.
Por aqui se vê que, embora numa posição subalterna em relação às filhas
legítimas, as bastardas também constituíam uma (reserva) das casas reais
para as alianças que pretendiam construir através da cedência de mulheres em
casamento, quer a inimigos (tendo por objectivo a paz) quer a parceiros
(tendo por objectivo a guerra contra terceiros); os receptores dessas
mulheres podiam, da mesma forma, ser ilegítimos. A união de Sancho e Beatriz não
durou muito, pois o conde faleceu no ano seguinte, em Burgos, ao interpor-se
entre homens armados envolvidos nume rixa, que não o reconheceram e por isso não
hesitaram em matá-lo. Foi tempo suficiente para deixar, porém, a esposa
grávida, nascendo Leonor Urraca em Setembro desse mesmo ano de 1374. Entre essa data e o falecimento de
D. Beatriz de Castro, em 1382, nada sabemos
sobre qualquer uma delas.
Leonor não teria mais de 8
anos à morte da mãe e teve de ser confiada a alguém que a criasse e tomasse
conta dos seus bens até chegar à idade núbil. Ignoramos, porém, quem foi
incumbido de tal tarefa e o que sucedeu à órfã até tal momento. Podemos pensar,
todavia, que o monarca castelhano a terá mantido debaixo de olho, pois se
tratava da mais rica donzela de Castela, cujos domínios teriam feito feliz
qualquer jovem nobre pouco dotado de herança, podendo tornar-se numa ameaça
caso caíssem nas mãos de senhores já poderosos. Com efeito, às terras de Haro,
Briones, Cerezo y Beldorado, na Rioja, Ledesma e as chamadas Cinco
Villas, no baixo Tormes, Alburquerque, Medellín, La Cadesera, Alconetar,
Alzagala e Alconchel, na Estremadura, vindas do seu pai, Leonor, conhecida como la Rica hembra (fêmea) pela
sua imensa fortuna, juntou ainda Villalón e Urueña, a ela dadas pelo seu primo Juan
I, sucessor de Enrique II, em troca de várias outras povoações que ele lhe
pedira para agraciar partidários seus. Era também dona, ao que dizem, do maior
rebanho da Meseta.
Uma herdeira muito pretendida
Foi quando Juan I faleceu inesperadamente, em 1390, de uma queda de cavalo, que tudo se precipitou. Soube-se
então na corte que Fadrique, filho bastardo de Enrique II e conde de
Benavente, que já encontrámos atrás como efémero noivo da infanta Beatriz de Portugal,
ia pedir a mão da condessa Leonor alegando precisamente a perda desse
casamento que lhe teria dado acesso ao trono português e a necessidade de uma
compensação, se não de nível semelhante, pelo menos proveitosa em termos
patrimoniais. É preciso dizer, para que se percebam todos os contornos do
problema, que ao falecer o monarca castelhano deixara como sucessor um filho,
Enrique, com apenas 11 anos de idade, não sendo a rainha Beatriz de Portugal a
respectiva mãe, o que a excluía da tutoria do moço. Alguns familiares do
rei, conhecidos pelos historiadores espanhóis como os epígonos Trastâmaras, tentaram
então apoderar-se da regência: o já referido Fadrique, Pedro, conde de
Trastâmara, Leonor, rainha de Navarra, e Alfonso de Aragão, marquês de Villena.
O casamento do primeiro com Leonor de Alburquerque ter-lhe-ia trazido
vantagens nada desprezíveis nesta luta: riqueza, poderio militar e o controlo
de algumas fortalezas-chave junto da fronteira com Portugal. Ao bando dos epígonos Trastâmaras
opuseram-se, porém, Pedro Tenorio, bispo de Toledo, e outros servidores do
monarca defunto, que conseguiram evitar o casamento do conde de Benavente com
Leonor Urraca, comprometendo-a com o infante Fernando, irmão mais novo do
rei menino. Desta forma, todos os bens da noiva, incluindo os castelos
situados junto à fronteira de Portugal, em vez de irem engrossar o património
já vasto de um senhor turbulento que ameaçava o poder real, ficariam seguros
nas mãos da Coroa castelhana. Pelo menos por uns tempos...» In Ana
Maria S. A. Rodrigues, As Tristes Rainhas, Rainhas de Portugal, coordenação de
Ana Maria S. A. Rodrigues, Isabel Guimarães Sá, Manuela Santos Silva, Círculo
de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4708-3.
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