Uma Infanta entre Castela,
Aragão e Portugal
Os primeiros vinte anos, passados em Castela e Aragão
«Se, como já dissemos, escasseiam os dados disponíveis para
reconstituir a existência das mulheres medievais, então sobre os seus primeiros
anos de vida eles são quase nulos. Tal não é difícil de entender, pois ainda
nos dias de hoje, em certas culturas, o nascimento de uma menina não é
celebrado com a mesma alegria e solenidade que o de um varão, enquanto noutras
é mesmo considerado uma catástrofe para a família, que terá no futuro de sacrificar
uma parte da sua fortuna para dotar a criaturinha, de forma a conseguir instalá-la,
na vida de modo conveniente. Daí que se oculte ou simplesmente se ignore tal
acontecimento. No seio das famílias reais ou da alta nobreza, na Idade Média, o
nascimento de filhas não era visto de uma forma tão negativa, pois embora se tivesse
também de dotá-las de forma adequada ao seu estado, reconhecia-se a sua
utilidade no estabelecimento de alianças proveitosas para a dinastia ou linhagem.
Ainda assim, a não ser que elas fossem as primeiras a ver a luz e, por isso, as
presumíveis herdeiras até ao advento de um rapaz, era raro que alguém se
preocupasse em registar a data e as circunstâncias em que tinham vindo ao
mundo, ou os acontecimentos mais relevantes da sua meninice.
Como filha segundogénita de um infante castelhano que, por sua vez, também
era um mero filho segundo, Leonor
não teve o seu nascimento relatado por nenhum cronista nem registado para
memória futura em pergaminho ou em pedra. Ignoramos, por conseguinte, o ano, o
mês, o dia em que tal evento ocorreu. É possível, não obstante, aproximarmo-nos
do momento da sua vinda ao mundo a partir de indicações indirectas, colhidas na
história da sua família.
Uma mãe condessa e muito rica, também chamada Leonor
Do lado materno, corria nas veias da nossa rainha sangue português e
castelhano. Era sua mãe D. Leonor Urraca, conhecida igualmente como Leonor de Alburquerque por ser a
única filha e herdeira de Sancho, conde dessa vila da Estremadura castelhana
situada não muito longe da fronteira portuguesa.
O avô Sancho de Alburquerque, bastardo régio castelhano
Nascidos em 1345, Sancho e
seu irmão gémeo Pedro foram os últimos filhos que o rei Alfonso XI de Castela
houve de Leonor de Guzmán, uma dama viúva por quem se apaixonou e com quem fez
praticamente vida de casado, desprezando a sua esposa legítima, Maria de
Portugal. Dez filhos vieram selar essa união, seis rapazes e quatro
raparigas; os dois primeiros, também chamados Pedro e Sancho, morreram cedo, e
por isso os irmãos mais tardios retomaram-lhes os nomes. O monarca castelhano foi
extremamente generoso para com a sua barregã
(nome que na Idade Média se dava às amantes dos reis e às concubinas dos
clérigos) e os respectivos bastardos, dotando-os de títulos e de abundantes
bens patrimoniais. Contudo, quando ele morreu, durante a Peste Negra, em 1350, quem subiu ao trono foi Pedro I, filho
da rainha humilhada. A vingança não se fez esperar: Leonor de Guzmán foi presa, maltratada e finalmente assassinada, ao que
parece a mando de D. Maria, e seus filhos fugiram da corte, refugiando-se nos
respectivos domínios. Contudo, o novo soberano não se mostrou impiedoso
e despótico apenas em relação à sua família ilegítima; também sua mãe, suas
esposas Blanche de Bourbon e Juana de Castro (meia-irmã de Inês), alguns
amigos e apoiantes iniciais, além de muitos inimigos, foram objecto da sua
cólera e dos seus excessos. A tal ponto que, poucos anos mais tarde, Pedro, o Cruel, teve de enfrentar uma revolta
quase generalizada da nobreza contra si, encabeçada por um dos seus
meios-irmãos, Enrique, conde de Trastâmara. Este sofreu vários reveses
ao longo dos anos, mas com uma persistência notável conseguiu, finalmente,
triunfar na guerra civil iniciada em 1366,
subindo ao trono com o nome de Enrique II depois de assassinar com suas
próprias mãos o meio-irmão em Montiel, em 1369.
A avó Beatriz de Castro, bastarda régia portuguesa
Uma das primeiras medidas do novo rei foi conceder a seu irmão Sancho o
senhorio de Ledesma, bem como o condado de Alburquerque, que havia pertencido
a Juan Alfonso, braço direito do monarca Pedro no início do seu reinado. Alguns
anos mais tarde, voltou a beneficiá-lo, arranjando-lhe um casamento
prestigioso. Com efeito, a 7 de Abril de 1373,
na sequência de mais uma vitória alcançada sobre o rei de Portugal, Fernando I,
que lhe disputara o trono após o crime de Montiel, Enrique II obteve como noiva
para seu irmão a infanta D. Beatriz, dita de Castro, pois nascida de D.
Inês e do rei Pedro I por volta de 1354,
e por isso meia-irmã do monarca português. A boda celebrou-se dois dias mais
tarde, em Valada, junto a Santarém. Conhecedor das frequentes mudanças
de alianças de Fernando I, que se saldavam sempre por novas propostas de
casamento, o Trastâmara quis resolver logo ali a questão e a infanta foi
de imediato levada para Castela». In Ana Maria S. A. Rodrigues, As Tristes
Rainhas, Rainhas de Portugal, coordenação de Ana Maria S. A. Rodrigues, Isabel
Guimarães Sá, Manuela Santos Silva, Círculo de Leitores, 2012, ISBN
978-972-42-4708-3.
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