O Estado e a Sociedade Portuguesa, 1200-1500. Coroa e Nobreza
«(…) De estatuto inferior, mas mais numerosos, estavam os assoldados e
jornaleiros, que trabalhavam para os mestres dos ofícios ou executavam trabalho
doméstico, ou eram guardadores de gado ou trabalhadores nos campos. A estes membros
da gente miúda ou gente baixa apenas era permitida uma mobilidade limitada. O
seu estatuto era então bem mais pobre do que o dos homens-bons ou o dos
doutores (em Direito, Medicina ou Religião), ou mesmo o dos camponeses
detentores de terras, os lavradores. Os conflitos do período 1300-1500,
não parecem ter ocorrido primeiramente entre classes altas e baixas. Pelo
contrário, ocorriam lutas entre elementos das classes mais elevadas: por um lado,
entre clero, nobreza e coroa, e por outro temos as contendas entre grupos
familiares e facções, cuja expressão se pode encontrar igualmente na actividade
dos portugueses na Ásia. No decorrer de tais contendas, grupos de importância
secundária como os mesteres podiam, em determinados momentos, adquirir vantagens
específicas, e por vezes afectar decisivamente o rumo de tal conflito. Tal
ocorreu em 1383-1385, quando ocorreu uma amarga luta entre os apoiantes da
rainha Leonor (o chamado partido
castelhano), que pretendia aclamar João I de Castela rei de Portugal, e
João, filho bastardo do monarca Pedro I e mestre da Ordem de Avis. Esta guerra,
muitas vezes encarada como um protótipo da tomada de Portugal por Filipe II de
Espanha em 1580-1581, dividiu Portugal em dois partidos: um sediado sobretudo
nas cidades, apoiante de João de Avis,
e a nobreza e o clero que acreditavam aparentemente que uma sucessão castelhana
lhes permitiria o alívio das pressões centralizadoras. As divisões
manifestavam-se igualmente de outros dois modos. Primeiro, a tendência
dos territórios fronteiriços era a inversa da do litoral atlântico. Depois,
havia igualmente uma divisão entre o Sul (que
apoiava Avis) e o Norte. De entre as próprias cidades, é interessante
verificar como quase todas as cidades nortenhas, excepto o Porto bastiões
tradicionais da aristocracia e de grupos conservadores, como Bragança, Vila
Real e Viana do Castelo, apoiavam os castelhanos; porém, a sul do Tejo quase
todas as grandes cidades e respectivas guarnições estavam do lado de João de Avis.
Para compreender esta luta, o seu contexto e a sua génese, que teve uma
importante influência na História Moderna de Portugal, há que relembrar que a
segunda metade do século XIV e a primeira metade do XV foram épocas em que
Portugal esteve mergulhado numa séria crise económica e social. Em 1347, a população portuguesa rondava os
1,5 milhões; cerca de duzentos anos depois, a população pode efectivamente ter
passado a ter apenas 1,4 milhões. Isto resultou do colapso demográfico da
segunda metade do século XIV, com sucessivos
surtos de peste negra em 1356, 1361-63, 1374, 1383-1385, 1389, 1400,
etc. A mortalidade é principalmente visível a partir de 1384; nos primeiros anos do século XV,
a esperança de vida era tão baixa que considerava-se que um homem entrava no Outono
da sua vida aos trinta e cinco anos de
idade! Uma das consequências desta alta mortalidade foi o aumento da
mobilidade horizontal; as migrações entre províncias aumentaram, assim como a
atracção por Lisboa (que substituíra Coimbra como capital nos meados do
século XIII). Oliveira Marques chamou a atenção pata o facto de que, no
final do século, a região de Portugal mais densamente povoada era a província
de Entre-Douro e Minho, seguida pela Beira; tanto o Alentejo como o Algarve
eram neste período muito fracamente povoados. Além disso, constatou que não era
ao longo da costa que o povoamento era denso, mas sim subindo os vales dos
rios, nas férteis planícies interiores e ao longo das principais rotas do
comércio interior que ligavam Portugal à Galiza e a Castela. Tudo isto se
alterou gradualmente no século XIV, num processo a que se chamou
meridionalização, e que é já visível em 1416,
data em que surge a primeira descrição geográfica de Portugal escrita por um
português». In Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português,
1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995,
Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.