Da Terra Santa à Península Ibérica
«Surgida na Palestina, na sequência da Primeira Cruzada, entre 1118 e 1120 e em torno de um pequeno núcleo de cavaleiros cujo objectivo inicial
era escoltar e proteger os peregrinos que rumavam aos lugares santos, é apenas
em 1129, no concílio de Troyes, que
a Ordem do Templo recebe uma regra própria e, em simultâneo, o reconhecimento
papal. É precisamente no contexto da preparação dessa reunião conciliar que os
Templários lançam, em 1128, uma
grande ofensiva diplomática junto das cortes cristãs europeias, com o objectivo
de apresentar o seu projecto, de recolher o auxílio e o financiamento
necessários para a continuidade da sua missão na Palestina e, ao mesmo tempo,
para a obtenção de apoios políticos para o concílio que iria ter início em
Janeiro do ano seguinte. Ao Condado Portucalense dirige-se então uma
delegação que consegue, de imediato e graças a uma notável capacidade de persuasão,
o patrocínio da condessa-rainha D. Teresa que, tal como os restantes monarcas
cristãos peninsulares, terá visto com enorme agrado a vinda destes
monges-guerreiros para os teatros de operações da Reconquista. É por
isso que cedo a Ordem se instala em Portugal, recebendo em Março desse mesmo
ano de 1128, das mãos de D. Teresa, o castelo de Soure, uma das
praças-fortes da cintura de defesa da cidade de Coimbra, onde se esperava que a
sua experiência militar viesse a ser da maior utilidade. Contudo, segundo Mário
Barroca, na altura em que lhes foi entregue, aquela fortaleza encontrar-se-ia
ainda bastante degradada em consequência das investidas almorávidas de 1116, pelo que o que lhes era dado não era um castelo e território apetecíveis mas, pelo contrário, uma
área destruída por eventos de um passado recente, mal povoada e com carência de
estruturas defensivas. O que se lhes pedia era, portanto, tarefa ingrata, em
zona instável e de fronteira. Talvez por isso, mas também porque não
dispunha ainda de efectivos suficientes, não tenham, de imediato, tomado posse efectiva
daquela fortificação, vindo apenas a fazê-lo em finais da década de 1130 ou nos inícios da de 1140, altura em que aí terá sido
estacionada, conforme sugerem Isabel Cristina Fernandes e Luís Filipe Oliveira,
uma pequena guarnição que dificilmente chegaria, supomos, aos cinco freires
cavaleiros.
Com efeito, até 1144 a
presença dos Templários em Soure é, tudo o indica, pouco expressiva. Ainda
assim não terá passado despercebida, como se verifica através de alguns legados
testamentários datados de 1143,
pelos quais a Ordem era beneficiada, por exemplo, com um cavalo, armas e uma
loriga, com metade de uma herdade, mas também com diversos bens fundiários.
Contudo, apesar de se tratar de uma força numericamente exígua, terá sido capaz
de coordenar eficazmente os habitantes daquela praça-forte aquando do ataque
levado a cabo por forças almorávidas, em 1144. Talvez esse resultado favorável tenha sido responsável pelo
excesso de confiança que os impeliu a perseguir de imediato a coluna inimiga
quando esta regressava a Santarém, uma decisão que redundou num verdadeiro
desastre, no qual os perseguidores, nomeadamente os freires cavaleiros
envolvidos na operação, terão sofrido severas baixas.
Todavia, logo no ano seguinte, teriam já condições, ou achar-se-iam capazes,
de assumir a defesa dos castelos de Longroiva, de Penas Róias e
de Mogadouro, entregues à Ordem pelo cunhado de Afonso Henriques, o
célebre Fernão Mendes Bragança, o Bravo
ou o Colérico, como lhe chama José
Mattoso, representante, segundo este autor, dos costumes mais bárbaros da época. Tal como em Soure, era-lhes de
novo pedido que assegurassem o controlo de uma zona de fronteira, porém, situada
junto do Vale do Côa, uma região ainda muito exposta às incursões muçulmanas. Em
altura próxima das doações de Fernão Mendes, a Ordem terá também
iniciado, na região de Soure e no contexto da defesa desta praça-forte a
construção, ou reparação, de uma pequena estrutura fortificada em Ega e,
eventualmente, do castelo de Redinha, localidade onde, segundo Mário
Barroca, não existe qualquer indício seguro, documental ou arqueológico,
da existência de um castelo ou de qualquer outro tipo de estrutura fixa de
defesa. Intimamente ligado a este aumento de protagonismo e de visibilidade, as
doações e legados à Ordem sucedem-se ao longo da segunda metade da década de 1140 e durante a seguinte. Composta nos
seus primeiros tempos de presença em Portugal quase exclusivamente por efectivos
oriundos de outros locais da Cristandade, é também a partir de meados da década
de 1140 que a Ordem intensifica o
recrutamento de freires portugueses. Estes, embora em número ainda bastante
reduzido, terão participado, integrados na hoste régia, na tomada de Santarém,
conforme adianta, ainda que com contornos algo fantasiosos e anacrónicos, a Crónica
de Portugal de 1419. Terá sido essa colaboração que valeu à Ordem o
reconhecimento de Afonso Henriques, expresso na concessão dos direitos eclesiásticos
dessa mesma vila. Apesar de isso não a vincular, no plano imediato, a qualquer
tipo de acção militar, tê-la-á de certo modo motivado para a participação no
cerco imposto a Lisboa naquele mesmo ano de 1147.
De Portugal para a Palestina
Entre os Templários que participaram nestas duas operações, encontrar-se-ia
um nobre de nome Gualdim Pais, que Afonso Henriques armara cavaleiro oito anos
antes, em Julho de 1139, nos
momentos que antecederam a batalha de Ourique. Desconhece-se quando
teria ingressado na Ordem, embora seja provável que o tivesse feito antes de 1147, talvez na sequência do desastre
de Soure, uma decisão tomada muito possivelmente devido ao impacto provocado
por este episódio». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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