domingo, 2 de março de 2014

Gualdim Pais Da Terra Santa à Península Ibérica. «Entre os Templários que participaram nestas duas operações, encontrar-se-ia um nobre de nome Gualdim Pais, que Afonso Henriques armara cavaleiro oito anos antes, em Julho de 1139…»

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Da Terra Santa à Península Ibérica
«Surgida na Palestina, na sequência da Primeira Cruzada, entre 1118 e 1120 e em torno de um pequeno núcleo de cavaleiros cujo objectivo inicial era escoltar e proteger os peregrinos que rumavam aos lugares santos, é apenas em 1129, no concílio de Troyes, que a Ordem do Templo recebe uma regra própria e, em simultâneo, o reconhecimento papal. É precisamente no contexto da preparação dessa reunião conciliar que os Templários lançam, em 1128, uma grande ofensiva diplomática junto das cortes cristãs europeias, com o objectivo de apresentar o seu projecto, de recolher o auxílio e o financiamento necessários para a continuidade da sua missão na Palestina e, ao mesmo tempo, para a obtenção de apoios políticos para o concílio que iria ter início em Janeiro do ano seguinte. Ao Condado Portucalense dirige-se então uma delegação que consegue, de imediato e graças a uma notável capacidade de persuasão, o patrocínio da condessa-rainha D. Teresa que, tal como os restantes monarcas cristãos peninsulares, terá visto com enorme agrado a vinda destes monges-guerreiros para os teatros de operações da Reconquista. É por isso que cedo a Ordem se instala em Portugal, recebendo em Março desse mesmo ano de 1128, das mãos de D. Teresa, o castelo de Soure, uma das praças-fortes da cintura de defesa da cidade de Coimbra, onde se esperava que a sua experiência militar viesse a ser da maior utilidade. Contudo, segundo Mário Barroca, na altura em que lhes foi entregue, aquela fortaleza encontrar-se-ia ainda bastante degradada em consequência das investidas almorávidas de 1116, pelo que o que lhes era dado não era um castelo e território apetecíveis mas, pelo contrário, uma área destruída por eventos de um passado recente, mal povoada e com carência de estruturas defensivas. O que se lhes pedia era, portanto, tarefa ingrata, em zona instável e de fronteira. Talvez por isso, mas também porque não dispunha ainda de efectivos suficientes, não tenham, de imediato, tomado posse efectiva daquela fortificação, vindo apenas a fazê-lo em finais da década de 1130 ou nos inícios da de 1140, altura em que aí terá sido estacionada, conforme sugerem Isabel Cristina Fernandes e Luís Filipe Oliveira, uma pequena guarnição que dificilmente chegaria, supomos, aos cinco freires cavaleiros.
Com efeito, até 1144 a presença dos Templários em Soure é, tudo o indica, pouco expressiva. Ainda assim não terá passado despercebida, como se verifica através de alguns legados testamentários datados de 1143, pelos quais a Ordem era beneficiada, por exemplo, com um cavalo, armas e uma loriga, com metade de uma herdade, mas também com diversos bens fundiários. Contudo, apesar de se tratar de uma força numericamente exígua, terá sido capaz de coordenar eficazmente os habitantes daquela praça-forte aquando do ataque levado a cabo por forças almorávidas, em 1144. Talvez esse resultado favorável tenha sido responsável pelo excesso de confiança que os impeliu a perseguir de imediato a coluna inimiga quando esta regressava a Santarém, uma decisão que redundou num verdadeiro desastre, no qual os perseguidores, nomeadamente os freires cavaleiros envolvidos na operação, terão sofrido severas baixas.
Todavia, logo no ano seguinte, teriam já condições, ou achar-se-iam capazes, de assumir a defesa dos castelos de Longroiva, de Penas Róias e de Mogadouro, entregues à Ordem pelo cunhado de Afonso Henriques, o célebre Fernão Mendes Bragança, o Bravo ou o Colérico, como lhe chama José Mattoso, representante, segundo este autor, dos costumes mais bárbaros da época. Tal como em Soure, era-lhes de novo pedido que assegurassem o controlo de uma zona de fronteira, porém, situada junto do Vale do Côa, uma região ainda muito exposta às incursões muçulmanas. Em altura próxima das doações de Fernão Mendes, a Ordem terá também iniciado, na região de Soure e no contexto da defesa desta praça-forte a construção, ou reparação, de uma pequena estrutura fortificada em Ega e, eventualmente, do castelo de Redinha, localidade onde, segundo Mário Barroca, não existe qualquer indício seguro, documental ou arqueológico, da existência de um castelo ou de qualquer outro tipo de estrutura fixa de defesa. Intimamente ligado a este aumento de protagonismo e de visibilidade, as doações e legados à Ordem sucedem-se ao longo da segunda metade da década de 1140 e durante a seguinte. Composta nos seus primeiros tempos de presença em Portugal quase exclusivamente por efectivos oriundos de outros locais da Cristandade, é também a partir de meados da década de 1140 que a Ordem intensifica o recrutamento de freires portugueses. Estes, embora em número ainda bastante reduzido, terão participado, integrados na hoste régia, na tomada de Santarém, conforme adianta, ainda que com contornos algo fantasiosos e anacrónicos, a Crónica de Portugal de 1419. Terá sido essa colaboração que valeu à Ordem o reconhecimento de Afonso Henriques, expresso na concessão dos direitos eclesiásticos dessa mesma vila. Apesar de isso não a vincular, no plano imediato, a qualquer tipo de acção militar, tê-la-á de certo modo motivado para a participação no cerco imposto a Lisboa naquele mesmo ano de 1147.

De Portugal para a Palestina
Entre os Templários que participaram nestas duas operações, encontrar-se-ia um nobre de nome Gualdim Pais, que Afonso Henriques armara cavaleiro oito anos antes, em Julho de 1139, nos momentos que antecederam a batalha de Ourique. Desconhece-se quando teria ingressado na Ordem, embora seja provável que o tivesse feito antes de 1147, talvez na sequência do desastre de Soure, uma decisão tomada muito possivelmente devido ao impacto provocado por este episódio». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia ELivros/JDACT