«(…) Em 1928, vinte e dois
anos após, a Voga, a revista de moda
mais arrojada dos anos 20 refere a mesma sedução pela pátria cultural: Para nós Paris é o expoente de dois
imperialismos, o imperialismo da Arte e o imperialismo da Moda. As receitas
literárias e as receitas de pintura vêm de lá. Também de lá vêm as receitas de
vestir e as receitas de cozinha, a que dão o nome certo e sibilante de menu. Artistas e mulheres do mundo
inteiro fitam em Paris os seus olhos deslumbrados. Paris é a Rainha da Arte e
da Moda. Em tom de crítica, poderá comentar-se. Mas, o deslumbramento é
real. Tanto em 1906 como em 1928. Tanto em 1890 como em 1930. Aliás,
o imperialismo da Moda, segundo o articulista da Voga não tinha um, mas vários Napoleões. Os Poirets, os Paquins e tutti quanti. Deles depende quase que a própria moral, aquela moral que nos manda descer
as saias, subir o decote e alongar as mangas, 1928.
Em moda os termos e expressões franceses eram tão frequentes que as
senhoras era de bom tom que empregassem as palavras crepe morocain, voile, georgette, écharpes, cache-cois, com
o mesmo desembaraço com que referiam expressões portuguesas. Não havia revista
que não apresentasse duas páginas no mínimo sobre moda francesa. Na revista Eva, que se degladiava com a Voga pela conquista do público feminino,
ao longo dos anos 20 até à absorção nos anos 30, a rubrica da Madame Fleury era
uma panóplia de expressões como foulard
de mousseline, tailleurs trois pièces,
empiècement, paletot, plisnervure. E é
assim que assistimos pela primeira vez em 1925
à introdução da palavra soutien-gorge, reduzida ao nosso
vulgar e tão apelidado soutien. Mas
para tornar mais complexa a estrutura da lingerie feminina, também se referia
os corsets-ceintures tratava-se da ligação
da cinta com o soutien-gorge. Era o fim
do tão amado/odiado espartilho. Em 1925.
Restaurantes e cafés, casas de roupa, tudo apresentava um toque francês.
A começar pelo nome. Au Rendez-Vous Des Gourmets, na Rua do
Ouro, era restaurant, pâtisserie, servia thés-concerts, assim como services
pour lunchs, mariages et soirées.
La
Parisienne, era uma loja de roupa sofisticada, que vendia robes, manteaux, chapeaux, lingerie. Um banho de sais Dermoxa
Tonific era garantido como produto adoptado por todas as
artistas parisienses. Os anos 20 acentuavam, no despontar da publicidade,
essa influência gaulesa. Em Au Renard Argenté, vendiam-se peles
e no Petit
Paris, os últimos modelos parisienses apresentavam-se a um público feminino
decerto mais seleccionado. Em A la Belle Mireille, no Largo da
Estefânia, vendiam-se chapéus de palha e feltro. Mas tal como admitia a
jornalista que assinava Françoise Gambart em 1928, na Eva, será que Paris poderia ser destronada pela
América? Visionarismo, ou alguma percepção de sinais dispersos, na moda, nos costumes femininos que
implicariam uma maior influência dos Estados Unidos?
As toilettes, por exemplo,
eram estabelecidas consoante as horas do dia. Assim afirmavam as autoridades
competentes na matéria em França. O requinte fazia-se hora a hora. O traje de
desporto de manhã, o vestido que se veste a seguir ao traje desportivo; o das
cinco da tarde, hora da elegância e do chá com as amigas. Finalmente, o vestido
de noite, para as soirées. No guarda-roupa
feminino havia também lugar para o célebre pijama ou deshabillée. Esta longa série de vestidos no guarda-roupa
quotidiano insere-se numa estratégia de sedução que tende a simplificar-se à
medida que entramos pelos anos 30 adentro. Fala-se abertamente da frivolidade
da mulher chic, da sua apetência pelo luxo». In Cecília Barreira, História das
Nossas Avós, Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930), Edições Colibri,
Colecção Sociedade & Quotidiano, 1994, ISBN 972-8047-63-0.
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