sábado, 8 de março de 2014

Histórias de Amor de Outros Tempos. Retratos Vivos. Pascal Quignard. «No entanto, a pouco e pouco, o dia foi dando lugar às trevas. O nobre Takafuji começou a sentir-se perdido. Que hei-de fazer?, pensou, angustiado. Nesse instante, um homem de casaco de caça e calças largas azul-escuras…»

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História do ministro do Centro Takafuji
«Já são coisas do passado. Havia um ministro Fulano de Tal da Direita, conhecido por ministro do Kan-in, que se chamava Fulano de Tal. Gozava neste mundo de uma fama ilustre e possuía uma sabedoria admirável. Todavia, morreu ainda jovem, deixando muitos filhos. O filho mais velho, Nagara, era Segundo-Conselheiro; o segundo filho, Yoshifusa, era Ministro-Presidente do Grande Conselho; o terceiro filho, Yoshimi, era Ministro da Direita. O quarto, Yoshikado, era Guarda. Nesse tempo, mesmo os filhos das famílias nobres começavam a sua carreira na administração pelo modesto cargo de Guarda. Ora, o Guarda Yoshikado teve um filho chamado Takafuji que, desde a mais tenra infância, começou a interessar-se pela falcoaria, interesse que deve ter-lhe sido transmitido por seu pai, grande apaixonado por essa arte.
Portanto, um dia, tinha ele quinze ou dezasseis anos, estava-se por volta do mês de Setembro, o jovem senhor partiu para a caça. Calcorreava as encostas da montanha, para os lados de Minami-Yamashina, quando, de repente, à hora do Macaco (a hora chinesa corresponde a duas das nossas, portanto, entre as 15 e as 17 horas), nuvens escuras toldaram o céu. Começou a chover, levantou-se um vento violento, os relâmpagos ziguezaguearam e o trovão ecoou com grande estrondo. As pessoas do séquito do nobre Takafuji, que só pensavam em abrigar-se, fugiram em debandada, sem olharem sequer para os lados. No sopé das montanhas do Oeste, o jovem senhor viu uma casa e esporeou o cavalo. A seu lado, só ficara um escudeiro. Ao chegar à tal casa, viu que estava rodeada por uma paliçada de cascas de cipreste onde havia um pequeno portal chinês. Transpô-lo a galope. O pavilhão principal, revestido de ripas de madeira, prolongava-se numa das extremidades para uma estreita galeria construída sobre quatro pilares. Parou em frente do pavilhão e desmontou. Depois de ter abrigado o cavalo debaixo do alpendre da galeria, entregou as rédeas ao escudeiro e sentou-se no chão. O vento e a chuva eram cada vez mais fortes, a tempestade esbravejava, lançando relâmpagos e trovões. Era de meter medo, e ele não podia sequer pensar em voltar para casa; por isso, ficou sentado, à espera.
No entanto, a pouco e pouco, o dia foi dando lugar às trevas. O nobre Takafuji começou a sentir-se perdido. Que hei-de fazer?, pensou, angustiado. Nesse instante, um homem de casaco de caça e calças largas azul-escuras, com cerca de quarenta anos, saiu de casa e aproximou-se dele. A quem tenho a honra?, perguntou. Andava à caça, respondeu o rapaz, e fui surpreendido pela tempestade. Como não sabia para onde havia de ir, deixei-me levar pelo cavalo, e, quando vi esta casa, foi com alegria que me dirigi para cá. Mas, agora, que hei-de fazer? Por favor, ficai aqui até a chuva parar, disse-lhe o homem, dirigindo-se para o escudeiro, que ficara um tanto afastado. Quem é este?, perguntou-lhe. Ao ouvir a resposta do escudeiro, o homem, muito admirado, desapareceu no interior da casa. Só teve tempo para fazer alguns arrumos e acender um candeeiro, e regressou, declarando: A minha casa não passa de uma pobre choupana, mas, se assim o desejardes, entrai e aguardai que a tempestade passe. As vossas roupas estão encharcadas. Vou pô-las a secar junto do fogo. Também haverá feno para os vossos cavalos. Vou abrigá-los nas traseiras. Embora fosse uma casa humilde, estava arranjada com um gosto que agradava à vista. O tecto estava forrado com finas cascas de ciprestes entrelaçadas. Na sala, biombos de bambu entrançado e, no chão, três ou quatro bonitas esteiras de debrum coreano. Sentindo-se cansado, o jovem despiu-se e deitou-se confortavelmente. Pouco depois, o dono da casa foi ter com ele. Vou pôr a secar o vosso casaco de caça e as vossas calças de cordões, anunciou ele, levando a roupa». In Pascal Quignard, Histoiresd’Amour du Temps Jadis, Editiones Philippe Picquier, Arles, 1998, Histórias de Amor de Outros Tempos, Retratos Vivos, tradução de Maria Vilar Figueiredo, Edições Cotovia, Lisboa, 2002, ISBN 972-795-043-4.

Cortesia de Cotovia/JDACT