História do ministro do Centro Takafuji
«Já são coisas do passado. Havia um ministro
Fulano de Tal da Direita, conhecido por ministro do Kan-in, que se
chamava Fulano de Tal. Gozava neste mundo de uma fama ilustre e possuía uma
sabedoria admirável. Todavia, morreu ainda jovem, deixando muitos filhos. O
filho mais velho, Nagara, era Segundo-Conselheiro; o segundo filho, Yoshifusa,
era Ministro-Presidente do Grande Conselho; o terceiro filho, Yoshimi, era Ministro da Direita. O quarto,
Yoshikado, era Guarda. Nesse tempo, mesmo os filhos das famílias nobres começavam
a sua carreira na administração pelo modesto cargo de Guarda. Ora, o
Guarda Yoshikado teve um filho chamado Takafuji que, desde a mais tenra
infância, começou a interessar-se pela falcoaria, interesse que deve ter-lhe
sido transmitido por seu pai, grande apaixonado por essa arte.
Portanto, um dia, tinha ele quinze ou dezasseis anos, estava-se por
volta do mês de Setembro, o jovem senhor partiu para a caça. Calcorreava as
encostas da montanha, para os lados de Minami-Yamashina, quando, de repente, à
hora do Macaco (a hora chinesa corresponde a duas das nossas, portanto, entre
as 15 e as 17 horas), nuvens escuras toldaram o céu. Começou a chover, levantou-se
um vento violento, os relâmpagos ziguezaguearam e o trovão ecoou com grande
estrondo. As pessoas do séquito do nobre Takafuji, que só pensavam em abrigar-se,
fugiram em debandada, sem olharem sequer para os lados. No sopé das montanhas
do Oeste, o jovem senhor viu uma casa e esporeou o cavalo. A seu lado, só ficara
um escudeiro. Ao chegar à tal casa, viu que estava rodeada por uma paliçada de
cascas de cipreste onde havia um pequeno portal chinês. Transpô-lo a galope. O
pavilhão principal, revestido de ripas de madeira, prolongava-se numa das
extremidades para uma estreita galeria construída sobre quatro pilares. Parou
em frente do pavilhão e desmontou. Depois de ter abrigado o cavalo debaixo do
alpendre da galeria, entregou as rédeas ao escudeiro e sentou-se no chão. O
vento e a chuva eram cada vez mais fortes, a tempestade esbravejava, lançando
relâmpagos e trovões. Era de meter medo, e ele não podia sequer pensar em
voltar para casa; por isso, ficou sentado, à espera.
No entanto, a pouco e pouco, o dia foi dando lugar às trevas. O nobre
Takafuji começou a sentir-se perdido. Que
hei-de fazer?, pensou, angustiado. Nesse instante, um homem de casaco
de caça e calças largas azul-escuras, com cerca de quarenta anos, saiu de casa
e aproximou-se dele. A quem tenho a
honra?, perguntou. Andava à
caça, respondeu o rapaz, e fui
surpreendido pela tempestade. Como não sabia para onde havia de ir,
deixei-me levar pelo cavalo, e, quando vi esta casa, foi com alegria que me
dirigi para cá. Mas, agora, que hei-de
fazer? Por favor, ficai aqui
até a chuva parar, disse-lhe o homem, dirigindo-se para o escudeiro, que
ficara um tanto afastado. Quem é este?,
perguntou-lhe. Ao ouvir a resposta do escudeiro, o homem, muito admirado,
desapareceu no interior da casa. Só teve tempo para fazer alguns arrumos e acender
um candeeiro, e regressou, declarando: A
minha casa não passa de uma pobre choupana, mas, se assim o desejardes, entrai
e aguardai que a tempestade passe. As vossas roupas estão encharcadas. Vou
pô-las a secar junto do fogo. Também haverá feno para os vossos cavalos. Vou abrigá-los
nas traseiras. Embora fosse uma casa humilde, estava arranjada com um gosto
que agradava à vista. O tecto estava forrado com finas cascas de ciprestes
entrelaçadas. Na sala, biombos de bambu entrançado e, no chão, três ou quatro
bonitas esteiras de debrum coreano. Sentindo-se cansado, o jovem despiu-se e
deitou-se confortavelmente. Pouco depois, o dono da casa foi ter com ele. Vou pôr a secar o vosso casaco de caça e
as vossas calças de cordões, anunciou ele, levando a roupa». In Pascal
Quignard, Histoiresd’Amour du Temps Jadis, Editiones Philippe Picquier, Arles,
1998, Histórias de Amor de Outros Tempos, Retratos Vivos, tradução de Maria
Vilar Figueiredo, Edições Cotovia, Lisboa, 2002, ISBN 972-795-043-4.
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